quinta-feira, março 24, 2005

A Culpa dos Males que nos Acontecem

Em todos os males que nos acontecem, olhamos mais para a intenção do que para o efeito. Uma telha que cai de um telhado pode ferir-nos mais, mas não nos desola tanto como uma pedra atirada de propósito por uma mão maldosa. O golpe, por vezes, falha mas a intenção nunca erra o alvo. A dor física é a que menos se sente nos ataques da sorte e, quando os infortunados não sabem a quem culpar pelas suas infelicidades, culpam o destino, que personificam e ao qual atribuem olhos e uma inteligência disposta a atormentá-los intencionalmente.
É o caso de um jogador que, irritado com as suas perdas, se enfurece sem saber contra quem. Imagina que a sorte se encarniça intencionalmente para o atormentar e, encontrando alimento para a sua cólera, excita-se e enfurece-se contra um inimigo que ele próprio criou. O homem sábio, que em todas as infelicidades que lhe acontecem só vê golpes da fatalidade cega, não tem essas agitações insensatas; grita na sua dor, mas sem exaltação, sem cólera; do mal que o atinge só sente os ataques materiais, e os golpes que recebe podem ferir a sua pessoa, mas nenhum atinge o seu coração.
Jean-Jacques Rousseau, in 'Os Devaneios do Caminhante Solitário'

4 comentários:

Anónimo disse...

Este post lembra-me um amigo meu que, ao ver-me enfurecido, conseguia acalmar-me com estas simples, mas influentes, palavras: se há remédio, não precisas de te preocupar: tudo se resolverá; se não há remédio, também continua a não haver necessidade de te preocupares: para quê se o mal é já incorrigível!

Manel, que saudades de um xadrez!

RD disse...

Amigo com clareza de espírito. Dá jeitinho ter desses perto ;)

RD disse...

Beatriz, achas que temos mesmo dificuldade em olharmos para dentro de nós? Ou olhamos e a dificuldade está em superar a nossa própria fraqueza?

RD disse...

Boa Páscoa a todos!