sábado, dezembro 04, 2004

Conceito # 8 - Mérito

Mérito

Mérito, é um valor moral, considerado em função dos esforços desenvolvidos pelo próprio sujeito para superar as dificuldades ou vencer os obstáculos. Estes esforços tornam a pessoa estimável perante os outros e transmitem ao próprio auto-estima, diferente da honra, e contrariamente ao que o senso comum diz, esta não é mais que um atributo que depende da avaliação dos outros, especificando, somos honrados se nos acharem como tal, não querendo dizer que o sejamos na realidade. Concluindo, uma pessoa poderá ser considerada honrada sem ter mérito.

Conceito # 7 - Altruísmo

Altruísmo

Termo criado por A. Comte, para designar o sentimento desinteressado e o amor aos outros (atitude oposta ao egoísmo). Disposição voluntária, portanto, de se dedicar aos outros.

Conceito # 6 - Solidariedade

Solidariedade

Solidariedade designa uma assistência mútua em circunstâncias difíceis. Há irredutivelmente, dependência recíproca entre elementos de uma sociedade, o que acaba por designar o carácter de uma obrigação se tivermos em conta o dever moral ou mesmo apenas a consciência moral social, e enquanto seja comum a diversas pessoas, respondem cada qual por tudo.

Conceito # 5 - Liberdade

Liberdade

Liberdade, do latim libertas, é marca específica do homem, quer isto dizer que só o homem, enquanto ser espiritual, de razão e de vontade é capaz de liberdade, só ele é capaz de ser princípio da sua acção e de propor fins para o seu agir, pois os demais seres não agem, reagem.
A liberdade surge em sequência da autonomia da vontade humana e do carácter personalista vincado na afirmação de que só a pessoa constitui um fim em si mesmo e só ela possui um valor incondicionado.
É através da consciência moral que o homem reconhece o sentido do bem, através da liberdade que reconhece o poder que tem de o realizar e através da responsabilidade que reconhece o dever que tem de o promover.

Conceito # 4 - Autonomia

Autonomia

Autonomia, de auto – ‘próprio’ e nomos – ‘leis’, sendo assim a lei do próprio. A autonomia exige para além do acordo interno consigo mesmo no agir, o poder de se orientar e eleger os fins da acção por si próprio, apoiando-se no exercício crítico da razão.

Conceito # 3 - Democracia

Democracia

Sobre a Democracia, no seu sentido etimológico vem do grego démos, ‘povo’ e cratein, ‘governar’. É portanto uma soberania, segundo tipo de organização política na qual é o povo, isto é, o conjunto dos cidadãos sem distinção de classe, riqueza ou competência, que detém ou que controla o poder político.
A democracia é, em primeiro lugar, uma forma de governo. Pode distinguir-se a democracia directa (como em Atenas no séc. V a.C.) e a democracia representativa, onde o povo governa pela interposição de representantes, eleitos ou designados (caso das democracias parlamentares modernas).
A palavra democracia pode referir-se também a uma teoria segundo a qual, a autoridade política se fundamenta no poder que cada homem tem de se governar a si mesmo (não confundir com autonomia).
Assim para Rousseau, a sociedade política nasce de um contrato social em nome do qual o único soberano possível é o povo, isto é, o conjunto de cidadãos que votam as leis (expressão da vontade maioritária) e aceitando submeter-se a elas.
A democracia pressupõe a lei da maioria, a liberdade dos indivíduos (respeitando os direitos do homem) e a igualdade dos cidadãos, que o liberalismo limita à igualdade de direitos e que o pensamento socialista quer estender à igualdade de condições sociais. Pode assim distinguir-se uma democracia política, que respeita as liberdades cívicas e políticas (liberdade de expressão, de imprensa…), e uma liberdade económica e social que garante os direitos sociais (direito ao trabalho, à habitação, etc.)

Conceito # 2 - Personalismo

Personalismo

Personalismo, é um neologismo formado pelo filósofo Charles Renouvier e que é um conjunto de doutrinas morais e políticas que fazem da pessoa o mais alto de todos os valores. São os seus principais representantes: Max Scheler, Martin Buber, Emmanuel Mounier e Paul Ricoeur.
O personalismo, cujo representante francês mais importante foi Emmanuel Mounier (1905-1950), assenta sobre um certo número de postulados:
1.A pessoa é a origem de todos os valores
2.A comunidade (ou pessoa comum) é tão originária como a pessoa: a reciprocidade das consciências é primeira em relação ao sentimento da individualidade
3.O respeito e a valorização da pessoa constituem o melhor escudo contra qualquer «irracionalismo» mortífero e contra qualquer tentação totalitária.
O personalismo não é um sistema; é mais uma corrente de pensamento reunindo personalidades com diversas sensibilidades.

Conceito # 1 - Pessoa

Pessoa

A pessoa é uma noção simultaneamente jurídica e moral. Designa o homem enquanto sujeito consciente e racional, capaz de distinguir o bem do mal, o correcto do errado, o verdadeiro do falso, e podendo responder pelos seus actos ou pelas suas opções. A ideia de pessoa é-nos hoje familiar. O respeito e a dignidade da pessoa humana são universalmente admitidos e constantemente reafirmados, ao nível dos princípios. Portanto, a ideia de pessoa é complexa, tal como testemunham os debates éticos contemporâneos. Este conceito elaborou-se, progressivamente, a partir de diversas fontes históricas; simultaneamente religiosas, jurídicas e filosóficas.

As fontes históricas:
Na sua origem, a palavra persona (do latim personare, «soar através») designava a máscara por detrás da qual o actor desaparecia para desempenhar um papel, uma personagem. Ora, a personagem refere-se logo a uma função e a uma dimensão pública. É talvez por isso que o termo de pessoa tomou depois um sentido jurídico e serviu para designar, em direito romano, aquele que tem uma existência civil e direitos, em oposição ao escravo que nada tem.

Pessoa e identidade:
A identidade pessoal é simultaneamente certa e impenhorável. A pessoa não é uma substância mas, sim, um princípio de coesão e de coerência. Apesar da diversidade dos seus pensamentos e dos seus actos, cada um pode, porque a consciência os acompanha sempre, reconhecer-se como autor e julgá-los. Ser uma pessoa, é ser dotado de consciência e de razão.

A pessoa como valor:
É porque é uma pessoa que o homem é sujeito de direitos, ou seja, capaz de tomar decisões que o comprometam. Foi preciso esperar pela Declaração dos Direitos do Homem, em 1789, para que o estatuto jurídico fosse reconhecido a todos os homens. Se os homens são iguais em direito, é porque eles também têm o mesmo valor. A Declaração dos Direitos do Homem não tem apenas um significado jurídico, como também tem um significado moral. Mas é com Kant que a pessoa se torna uma categoria moral. A pessoa é de facto não só um sujeito de direitos, mas também um objecto do dever. A pessoa tem, segundo Kant, um valor absoluto, e existe como fim em si, em oposição às coisas que têm um valor relativo e as quais podemos usar como simples meios. O princípio do respeito absoluto da pessoa exprime-se através do imperativo categórico que pode formular-se assim: “Age de tal forma com a humanidade para que a trates, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como fim, nunca simplesmente como um meio”, ou seja, faz aos outros o que queres que te façam a ti.
Reconhecer à pessoa um valor e uma dignidade absolutos, é ultrapassar a simples afirmação dos seus direitos. É dizer que ela deve ser protegida e respeitada, mesmo quando é impedida ou incapaz de agir livremente.
É uma afirmação à qual não podemos negar a legitimidade, mas que acarreta tremendos problemas éticos, como podemos constatar nas discussões actuais sobre a eutanásia ou o estatuto do embrião humano. É por isso que é mais do que nunca necessário continuar um trabalho de reflexão e de elucidação que permita clarificar um debate, onde as fontes religiosas, jurídicas e filosóficas da noção de pessoa continuam por vezes a exercer a sua influência despercebida e talvez contraditória.

Breve história das ideias morais

A história das ideias morais é muito mais antiga do que a formação da ética como disciplina.
Com o processo de hominização, o homem foi-se libertando dos instintos naturais e sendo cada vez mais dono das suas acções. O meio deixa de o condicionar e ele próprio pondera as suas escolhas, a natureza já não determina a sua forma de agir.
Isto significa que o homem sempre pensou sobre a sua acção e o que seria melhor ou pior para si. A acção é irredutível e a história das ideias morais é tão antiga quanto o próprio homem, mas a ética só se constituiu como disciplina com Aristóteles, porque uma ciência precisa de objecto e método. O objecto da ética é a praxis – acção imanente do agir humano, uma acção cujo resultado é interior e constitui o carácter do agente.
O método filosófico é analítico e crítico e aplica-se à praxis.
Estudo da racionalidade do agir, do encadeamento lógico das nossas acções, a nível de fundamentação e normatividade.
A racionalidade da acção é um processo interno que origina um encadeamento de acções pela qual nos damos a conhecer e nos forma o carácter. Existem várias lógicas da acção consoante a ética da virtude ou ética do dever. Há quem aja de acordo com o dever, que pondere as suas acções enquanto que pela ética das virtudes, o carácter responde naturalmente pelo bem.

A constituição da ordem ética é saber como ordenamos os actos na nossa vida, a ordem das coisas altera o fim que se quer. Não basta ter determinados ingredientes, há que saber misturá-los.

1) A ética na Antiguidade
Era uma ética da felicidade cujo fim era o bem. Toda a acção estava dirigida para a felicidade.
Toda a moral de Aristóteles está virada para a felicidade, não pode haver ou pensar-se moralidade sem qualquer um destes elementos.
O homem é perfectível e não nasce já feito, constrói-se, faz-se.

2) Na Idade Média
Juntamos aos ingredientes de cima – Deus
Deus passa a ser o bem, o fim, a virtude e a felicidade. Deus é o caminho moral supremo, é o elemento para o qual tudo se dirige.
Para o Cristão da idade média, ser moral é aproximar-se de Deus.
Cada momento histórico trouxe diferentes ingredientes que assimilamos e perpetuamos ao longo dos tempos.
Há somas de moralismos que herdamos e os critérios a que nos recorremos estão fundamentados ainda por essa história das ideias.

3) Modernidade
Advento da razão, valorização da razão.
Necessidade de nos conduzirmos moralmente de acordo com a razão.
Já com Aristóteles encontramos a exigência da racionalidade mas com Kant intensifica-se.
Surge a noção de liberdade. Surge com a causalidade do sujeito que age. A liberdade do homem é a causa do seu agir.
É uma noção nova, antes com Aristóteles havia a deliberação, com a medievalidade temos a valorização da vontade relacionada com o livre-arbítrio. Agora a liberdade é que é a indeterminação do agir e princípio e causa da acção do homem.
O sujeito é causa e princípio da sua acção se for livre. Em Sartre, a liberdade é condição do homem, não pode deixar de ser livre nunca.
Em Kant, a liberdade é condição da vida moral, não é ontológica mas uma realidade ética.
Não há moralidade sem liberdade, é condição da moralidade.
Em Aristóteles o homem só podia dizer se a sua acção seria virtuosa (boa) ou não, não tinha elementos para falar em liberdade, condição da moralidade.

4) Contemporaneidade
Na contemporaneidade, os críticos de Kant falam numa liberdade-moralidade situada no espaço e no tempo. A realidade é dinâmica e situa-se no espaço, os padrões morais não são sempre os mesmos, variam de povo para povo e ao universalismo ético de Kant sucede-se o relativismo moral.

Conclusão:
- Bem, universal grego
- Deus, universal medieval
- Razão, universal moderno
- Várias morais, relativismo contemporâneo

“A ética é o repouso do pensamento” Kierkegaard

Sendo a ética o estudo ou a procura da fundamentação do agir humano, consciente e racional, não será ela também tranquilizadora da nossa existência? Como explicar a angústia da escolha ética em contraposição às nossas paixões?
Essa escolha, sendo sempre ética, e portanto consciente, age por vezes contra nós mesmo sendo a curto prazo apenas. Será, por sabermos que é o melhor que fazemos na altura, mesmo que nos cause angústia na escolha e desespero na consequência?
Dando importância à nossa ética pessoal, não acabaremos por viver num constante passado, imaginando um futuro, que não passa por um presente espontâneo? Sem considerarmos os acasos e as paixões presentes, caímos num viver predefinido e adquirido por outras verdades, que podem já não ser as nossas. A nossa transcendência transcende-nos? É como se, por vezes, nos víssemos de fora, como uma alma a pairar sobre o corpo, a agir friamente (no sentido mecânico), só porque sabemos que é bem assim. Não é um acto moral de acordo com o que nos é “devido”, é um agir profundamente enraizado, que nos “impele” a tomar decisões boas, porque o sabemos pela experiência ou simplesmente pelos sentidos. Ética das virtudes vs ética do dever…
Sendo nós próprios o resultado das nossas escolhas e acções e considerando um devir contínuo, será possível cairmos em escolhas éticas tão profundas e intrínsecas à nossa personalidade que não nos possibilitem uma adaptação a mudanças exteriores?
Assim sendo, a médio/longo prazo, obteremos a recompensa pessoal pelo ter agido bem de acordo com os nossos padrões de valores, mas o facto, é que a curto prazo, qualquer escolha que “pise” ou não vá de encontro à nossa ética, nos leve a um estado de confusão e talvez angústia que nos faça repensar toda a nossa estrutura e em que base de valores está assente.
No nosso mundo de hoje, há uma grande crise de valores com que nos temos que deparar constantemente e interrogarmo-nos se agimos bem (porque já não sabemos o que é sequer o bem), quais os nossos fundamentos, ponderá-los e integrá-los na nossa realidade, em prol de um bem comum, porque no fundo, o bem pessoal implica o bem comum e vice-versa.
Toda uma globalização a que se tem vindo a assistir, não pode ser mais a desculpa contínua para o homem se sentir perdido, quando é ele próprio o seu construtor e responsável por si e respectivamente responsável pelos outros.
Mesmo sabendo que a angústia da escolha pertence à condição humana, ela não é mais do que uma passagem ao descobrir-se e ao fazer-se do homem, ao seu pro-jecto. Diria ainda, que necessária, como forma de interiorização e união do seu ser-agir com a sua essência, só assim se pode chegar a uma coerência e congruência que dê descanso e vá de encontro à realização do homem.
Assim, arrisco ter a presunção de acreditar que poderemos encontrar na pessoa, a fonte de salvação para a verdadeira humanidade, entretanto perdida ou desacreditada. Só a fé em nós próprios, consegue dar respostas para um novo começo que traga conforto.

Inquietações

A época em que vivemos não foi por nós escolhida, todo o mal do mundo não é culpa nossa, tudo nos foge ao controle… limitamo-nos a desenvencilharmo-nos da melhor maneira possível e a amenizar o sofrimento normal da vida. Será mesmo nisto que acreditamos? Ou deixámos de ter fé nas nossas acções e somos todos uns comodistas hipócritas com névoa nos olhos?
Cada vez mais é preciso parar para pensar, pensar a sério e não chegar a uma conclusão e passar à frente, é preciso pô-la em prática, cumprir o dever para connosco.
Apontar problemas parece ser o mais fácil hoje em dia, apesar de ainda haver quem nem deles tenha consciência… contudo, não é ainda suficiente, é preciso encontrar soluções e pô-las em prática. É preciso que nos responsabilizemos todos pela vida que temos e fazer dela qualquer coisa melhor.
Cada escolha que fazemos provoca mudanças ao rumo da nossa vida, e consequentemente à vida dos outros, do nosso próximo. Não pode haver mais desculpas atribuídas ao destino, a causas exteriores, a terceiros.
Mesmo quando escolhemos não escolher estamos a escolher, e mesmo que ninguém saiba disso sabemos nós, porque quer queiramos quer não, vivemos connosco, de nós não podemos fugir. Somos seres racionais e conscientes das nossas acções e temos o dever de tentar ser cada vez melhores humanos, devemo-lo ao próximo e a nós próprios senão não ganharemos o direito à felicidade. Só o inconsciente pode ser feliz sem cumprir o seu dever porque não carrega culpas.
O problema da sociedade contemporânea, de que tanto se fala, é a chamada crise de valores. Esta crise de valores dá-se em diferentes áreas, mas é importante que se diga, que os maiores valores em crise são os humanos e não sem razão. Vive-se na chamada globalização, vemos de tudo, fazemos de tudo, apanhamos com tudo e dizem-nos para sermos tolerantes, para aceitar a diferença porque é aí que está o respeito. Ora, aceitando e tolerando tudo caímos na indiferença, deixamos de nos importar porque não é da nossa conta, porque é mais fácil assim sem perguntas nem respostas, e lá vamos nós caminhando aos solavancos, cegos como morcegos com medo da luz.
É preciso ser tolerante sim e aceitar as diferenças, mas pensá-las e não imitá-las desajustadamente, e em vez de se seguir padrões, construir os nossos próprios trilhos, aqueles que fazem de nós o que somos. Uma unidade numa diversidade.
O bom exemplo da época é o recorrer a todo o tipo de comprimidos, ansiolíticos, anti-depressivos e drogas de toda a espécie. Em suma, tapar o sol com uma peneira. Porquê? Porque não se soube o que fazer, não se soube como pensar bem para resolver qualquer situação, porque a realidade não respondia às exigências interiores? Basta de culpar a vida e a nossa condição nela. Já há muito que se diz que quem está mal que se mude. Está em tempo disso, somos criaturas dotadas de razão, mas sem conhecimento correcto não vamos a lado nenhum. Não basta sermos os melhores, temos que ser bons. Somos os únicos seres que tem possibilidade de adaptação completa e não a exploramos. Culpamos tudo o que podemos menos a nossa fraca vontade de mudança. Queremos um futuro melhor para os nossos filhos e porque não para nós também? Se não mudarmos para melhor, os nossos filhos tomam-nos como exemplo e tornamos a ver a banda passar… a tocar a mesma música desafinada. Cultura mal transmitida no presente é ver crescer o problema no futuro.
O conhecimento está em todo o lado, é preciso é filtrá-lo. Temos bibliotecas cheias de obras intemporais com todo o tipo de assuntos, nomeadamente destas questões do conhecimento, da razão, dos sentidos, da dimensão espiritual do homem. Há que ler mais filosofia, participar mais na sociedade, em eventos culturais, fazer desporto, actividades ao ar livre, etc. Enfim, dar alimento à alma, ao espírito, em vez de se ficar a noite toda em frente à televisão a ver as notícias e a se pensar que o mundo já não é um lugar bom para se viver.
Porque não aproveitar esta crise de valores que toda a gente sente e procurar respostas e crescer interiormente? Precisamos de nos conhecer melhor, fazer melhor. A nossa razão prática, a da acção, a da ética, tem que começar a obedecer à razão teórica que é o pensamento. Exige-se congruência para se ver resultados e nem para tudo é preciso subsídios, podemos começar por nós primeiramente, e depois pela nossa família e amigos. Tem que se vencer a má fé que nos derrota todos os dias, que é essa consciência das coisas que vamos deixando passar e que acaba por nos prejudicar. É ela que nos provoca conflitos com nós próprios, remorsos e culpas por não se ter feito o que se sabia que se devia ter feito. Tudo depende de nós e não da sorte, a sorte favorece os audazes apenas, como uma espécie de recompensa ou incentivo para mais. Temos que ser activos, aprender, perceber, conhecer e ser humildes o suficiente para saber que nunca iremos saber tudo mas que queremos saber o máximo possível, só assim teremos credibilidade para interagir e fazer melhor. Repito: basta de saber apontar problemas, é preciso soluções e começar por nós próprios é fundamental. De boas intenções e de treinadores de bancada está o inferno cheio.
Tanto se fez pela democracia e agora que a temos ninguém lhe liga. Todos temos os mesmos direitos, como cidadãos livres que somos, acesso à educação, aos serviços públicos, à participação na vida política e a tudo mais, no entanto, para muitos continua a ser pouco, esperam que o estado lhes leve a água à boca... Não se paga pelo saber, pela perfectibilização do ser humano. Não nos devemos limitar a estar cá neste mundo apenas de passagem e a deixar que o vento determine o nosso rumo, urge apostar na educação, no refinar do pensamento para que se viva e não se sobreviva.
A educação traz novos horizontes, quanto mais sabemos, melhor vivemos, porque as escolhas são diferentes e as acções melhores e mais correctas. Temos que ser os primeiros juízes de nós próprios, avaliar os nossos meios que tem um fim em comum – a felicidade (independentemente do que ela seja para cada qual, caminha para o bem), e só a atingimos cumprindo o nosso dever pela acção, que nos deixa por fim, descansados de consciência.
Faz sentido ajustar a utopia com o pragmatismo, precisamos de sonhar sempre com um mundo melhor e ser chamados a agir, não podemos aceitar os factos como inevitáveis, este é um imperativo ético que se coloca a cada ser humano. Já que a acção é irredutível, ao menos tentemos agir correctamente. O passo não é longo, pelo contrário, está dependente de cada um, ser um ser humano melhor, educando-se e perfectibilizando-se.

Educação e democracia

Os problemas pedagógicos têm, também uma dimensão política, ou seja, há uma relação entre o regime político de uma sociedade e a pedagogia que ela utiliza no ensino. Esta relação não é unívoca, pois se o ensino é determinado pela sociedade global, ele, por seu turno também a determina.
Mas, importa levantar a seguinte questão: como deve ser o ensino numa sociedade que se pretende democrática? A palavra democracia está longe de ser unívoca. Alguns traduzem-na por: dar mais liberdade, mais responsabilidades aos próprios alunos; aqui o conteúdo da democratização é, essencialmente pedagógico. Por outro lado, outros interpretam esta palavra de um modo totalmente diferente: tornar todas as crianças iguais perante o ensino, quer dando a todas as mesmas oportunidades, quer dar mais oportunidades às mais desfavorecidas. No primeiro caso, podemos constatar que o ensino pode permanecer inigualitário, pois nada impede a pedagogia democrática de confirmar as diferenças. Para os segundos, o ensino pode permanecer autoritário, pois o essencial é que ninguém seja desfavorecido. Mas uma democracia não pode sacrificar nem a liberdade nem a igualdade.
Deste modo, é necessário estabelecer três princípios. Em primeiro lugar, e como demonstrou John Dewey, uma sociedade só é realmente democrática se a escola formar realmente democratas. Uma pedagogia autoritária corre o risco de gerar revolta é uma pedagogia de irresponsáveis. De qualquer forma, a democracia exige que os alunos adquiram, se possível, a autodisciplina, o sentido da cooperação, o respeito do outro que estão no seu próprio princípio do seu funcionamento.
O segundo princípio é que o ensino fundamental dure tanto quanto possível. Uma sociedade não é democrática se obrigar a maior parte dos jovens a entrar demasiado cedo no mundo do trabalho ou da formação profissional. É necessário que todos recebam uma cultura de base tão completa quanto possível.
A aplicação deste princípio não é evidente. Efectivamente o que ele em rigor exige é que se dê o mesmo ensino (primário e secundário) para todos e que esta solução acaba por reforçar e confirmar as desigualdades ou, então, trata-se de um ensino exigente; se existir alunos que têm necessidade de mais ajuda, ou de mais tempo para assimilar, não continuarão e estarão em fracasso permanente. Ou então, trata-se de um ensino fácil como nos países em que quase todos os jovens no fim dos estudos secundários já se encontram diplomados. Assim, todos terão êxito mas de nível muito baixo, e os alunos verdadeiramente fortes seguirão outro rumo, como por exemplo cursos privados mais selectivos e mais ambiciosos. Em suma, se se reconhece que as crianças, para serem iguais, não são semelhantes, concluir-se-á que não podem receber o mesmo ensino, sem se tornarem realmente desiguais.
Então, urge um ensino diferenciado que estabeleça, embora o mesmo objectivo fundamental para todos, e que permita às diversas categorias de alunos alcançá-lo por vias diferentes e segundo o seu próprio ritmo. Resta saber se a pedagogia diferenciada suprime as desigualdades com que inicialmente se deparou, ou se pelo contrário, as consagra. Estamos perante um grave problema, simultaneamente político e pedagógico, que uma democracia não se pode resignar a deixar sem solução.
Para finalizar, temos o terceiro princípio. Destinado a todos, o ensino democrático deve ser objectivo. Por outras palavras, o professor está para ensinar os saberes e os valores que não dependem da sua subjectividade, que o transcendem.
Alguns dizem que a democracia exige pouco do seu ensino e que se revela incapaz de inculcar os valores que entusiasmam os jovens e que dão sentido à vida. Mas não se trata de uma carência de democracia, mas sim da sua própria essência. Uma sociedade verdadeiramente democrática reconhece-se, em primeiro lugar, por estar dedicada a valores que podem ser ou parecer incompatíveis, mas que de qualquer modo não dependem do poder. O papel de um Estado democrático é, pelo contrário, permitir a cada um encontrar por si mesmo o sentido da sua vida, como adulto.
Numa sociedade moderna, o ensino é, no essencial, público. Mesmo quando é juridicamente privado, depende do Estado que em parte o financia. Em democracia, o poder do Estado detém-se no limiar das convicções, porque a sua função é protegê-las e não proibi-las. Em democracia o Estado deve controlar o ensino para evitar o endoutrinamento. Este endoutrinamento reconhece-se primeiro quando reprime o pensamento, quando, sejam quais forem os seus objectivos, os seus conteúdos, ou os seus métodos, obriga as pessoas a crer, levando-as a julgar que pensam. Em seguida, um ensino endoutrina quando inculca o ódio, ou seja, o desejo de prejudicar pessoas e ao ensinar o ódio legitima-se a violência destruindo-se, assim, a democracia.
Em suma: a educação só assume sentido por valores que se opõem ao fanatismo, à violência e ao ódio, valores estes que facultam ao homem a maioridade.

A educação entre a natureza e a cultura

Educação é uma palavra que encontra a sua raiz etimológica no latim, em educere que significa conduzir “fora de” mas vem também de outro verbo educare que quer dizer “alimentar”, “cuidar”. Educar é pois acompanhar um percurso que implica uma dinâmica transitiva.
Educar possui uma pluralidade de sinónimos, mas os três principais são criar, ensinar e formar.
Criar refere-se à educação em sentido restrito; no essencial, coincide com a família. Trata-se de uma educação espontânea; uma mãe que acaricia o seu bebé educa-o e desenvolve aptidão para o bebé comunicar. No entanto, a ternura de mãe é educativa sem o saber. Ensinar, designa, pelo contrário, uma educação intencional; é uma actividade que se exerce numa instituição assegurada por profissionais.
Deste modo, podemos constatar que criar e ensinar são actividades diferentes e, por vezes, exclusivas. Podemos dar o exemplo dos pais que mesmo instruídos, são pouco capazes de instruir os filhos, porque são sempre demasiado impacientes e ansiosos. Por outro lado, um professor não é um pai, o seu papel é apenas fazer aprender algo.
Formar é um termo por vezes polémico. Seja ela técnica, militar, profissional, desportiva é sempre a preparação do indivíduo para tal função social. O objecto da formação é a função social, é o futuro empregado ou o futuro médico que importa.
De qualquer forma, criar, ensinar, formar que são aparentemente sinónimos, têm entre si relações de exclusão. Aprende-se a mesma coisa nos três casos, mas não da mesma forma. Por exemplo, uma língua estrangeira na família aprende-se espontânea e globalmente, pela conversação. Na escola ensina-se recorrendo a um programa, métodos, técnicas e professores. Na formação também mas de espírito inteiramente diverso: não se formam intérpretes ou se ensina o inglês comercial como se ensina inglês no liceu. Assim, um professor que ensina a traduzir o melhor e o mais depressa possível faz formação profissional e, por outro lado, professor que mostra que há várias traduções possíveis e que leva o tempo que for necessário para encontrar a melhor, ensina.
Assim, é necessário unir estes três tipos de ideais: criar, ensinar e formar.
A educação é um processo de integração de um indivíduo no seio de uma cultura. A cultura exige um ideal de transmissão, de continuidade. A educação é essa transmissão de um património cultural. É um ensinar e um receber de um modo de estar no mundo, um conjunto de crenças, de saberes, de valores, de técnicas, de preceitos morais e jurídicos, de costumes.
Deste modo, tudo o que o homem conquistou é cultural, ou seja, transmite-se pela educação. Tudo o que torna o homem humano, tal como a linguagem, o pensamento, os sentimentos, o homem tem-no porque aprendeu.
A antropologia afirma que o homem é um ser inacabado. Deve, portanto, ao contrário dos outros animais aprender tudo. Mas, este inacabamento do homem é também a sua grandeza; enquanto que o animal é o que é desde o seu nascimento ou se forma naturalmente pela maturação, a criança deve tornar-se o que deve ser. A criança vai infinitamente mais longe que o animal. Importa aqui falar no caso das «crianças selvagens» que ignoram o uso das mãos, o sorrir, não distinguem uma imagem em relevo de um objecto, não se reconhecem ao espelho, etc. Mas é possível educar, mais ou menos, as crianças selvagens ao passo que ninguém poderia ensinar a linguagem, as técnicas ou a moralidade a um animal. Deste modo, podemos dizer que há uma natureza humana universal, que consiste na possibilidade de aprender. O conceito de natureza humana é muito importante pois pretende mostrar que em educação nem tudo é possível, que o educador encontra uma resistência que não pode ignorar nem forçar sem arruinar a educação.
Esta resistência é, em primeiro lugar, a da natureza psicológica da criança. Vários autores como Piaget, Freud, Wallon mostram que a criança passa necessariamente por estádios, e que o educador não pode omitir. Daí que Rousseau preconizava, até à idade dos doze anos, uma «educação negativa» cujo papel não é apressar o crescimento mas preservá-lo, não instruir a criança, mas prepará-la para se instruir.
A natureza é também o carácter próprio de cada criança, a sua maneira de agir, de sentir e de aprender. Educar não é fabricar adultos segundo um modelo, é libertar em cada homem o que o impede de ser ele mesmo.
Educa-se e forma-se o homem de acordo com a concepção que se tem da sua natureza e dos valores que o devem orientar. A educação é, assim, o conjunto dos processos e de procedimentos que permitam a qualquer criança aceder progressivamente à cultura, pois o acesso à cultura é que permite distinguir o homem do animal.
Em suma: A necessidade de ser educado é universal porque ela é inerente ao homem. A natureza humana é o que exige ser educado.

A Filosofia como forma de Educação

A filosofia começa onde as coisas já não são claras, onde o que para todos era evidente e deixa de o ser.
A filosofia é no fundo a interrogação, o pôr em causa o que sabemos ou julgamos saber.
Como se caracteriza o questionar? Em primeiro lugar, é total, pode-se filosofar sobre tudo. Em rigor, nenhum domínio escapa à interrogação filosófica e é isso que legitima a filosofia e lhe dá a vertente de verdadeira educação.
Depois é radical, no sentido de que vai ao fundo das coisas. Assim, cada um se interroga e a filosofia responde sobre o que mereça ser questionado. Não busca os meios mais seguros e mais eficazes, interroga-se sobre quais são os fins da educação. Interessa saber quais são os fins da educação, quais os seus objectivos e quais as suas vantagens e é por isso que o questionamento filosófico também é vital, no sentido de que aquilo que o suscita não é um interesse puramente especulativo.
Para filosofar é preciso ir à escola dos filósofos, recordando, todavia, que uma escola é um lugar de onde se deve sair, uma instituição cujo fim verdadeiro não é apenas aprender tal ou tal verdade, mas aprender a pensar.
“Não se aprende a filosofia, aprende-se unicamente a filosofar” – diz Kant, e num contexto kantiano, nitidamente perceptível em diferentes escritos seus, o sentido da máxima é muito claro e não vai propriamente na direcção em que alguns subsequentemente o trataram de interpretar. Para Kant, não se pode ensinar filosofia, mas a filosofar, por um lado, porque ainda ninguém está integralmente de posse dela; daí a pergunta que a seu respeito se faz na Crítica da Razão Pura: “Onde está ela, quem a tem na sua posse e em que se faz ela conhecer?”
A filosofia como sistema de conhecimentos filosóficos, é ainda, segundo Kant, “uma ideia a realizar”.
Por outro lado, não se pode ensinar filosofia mas a filosofar, fundamentalmente porque há que incrementar o pensar por si próprio. Há que fazer um uso próprio da razão, e não meramente histórico ou mecânico.
Em primeiro lugar, trata-se de lembrar que, sem ensino, não há filosofia como instituição cultural. Em segundo, de sublinhar que a filosofia é por constituição e tendencionalidade, comunicável. Em terceiro, que o ensino, da filosofia não é (nem nunca foi, nas suas diferentes figuras) magistério em abstracto; origina-se e desenvolve-se num concreto histórico-social de tradições, existências e de esperanças. Sem ensino, não há filosofia como instituição cultural.

O Renascimento

O Renascimento ou Renascença, foi um período de renovação científica, literária e artística, vulgarmente considerado como iniciado no séc. XIV e prolongado através dos sécs. XV e XVI e portanto, não è fácil de definir o termo Renascimento, porque è uma época histórica caracterizada por várias mudanças em variados planos. Tentar caracterizar este movimento histórico seria perdermo-nos em opiniões, visto que entre historiadores e filósofos as opiniões ou abordagens são tão variáveis quanto extensas.
O Renascimento, tem que ser entendido e analisado, tendo-se em conta todas as mudanças que surgiram nesta época separadamente, e tentar, por sua vez, incluir num todo a variedade ou abundância dos aspectos intelectuais de um dado problema, com a força interior e energética que tem esta nova visão e que integra esta variedade sem a reduzir à semelhança.
Encontramos estas características da época, já acima mencionada, na grandeza das apresentações diferentes de manifestações de pensamentos, principalmente nos diálogos, que eram a forma de expressão literária privilegiada durante o Renascimento.
A observação da Natureza atribuída ao Renascimento não é correcta, apesar de ser frequente encontrar-se esta ideia nos manuais de História. Esta reflexão explicativa da Natureza, que consequentemente deu origem ao método experimental, não teve o seu início em época exacta. Desde sempre o Homem e a Natureza estiveram em constante trato ou relação.
A verdade è que, o Homem do Renascimento, ‘mergulhado’ no princípio do pensamento inspirado pelos textos tradicionais de Aristóteles, das obras de Platão que começam a assomar, e dos documentos falsamente atribuídos aos Pitagóricos ou a Hermes Trimegisto, “começou por falar demais, sem escutar suficientemente a resposta das coisas”, ou seja, os homens do Renascimento viraram-se para a Natureza amando-a, mas sem nunca a conhecerem verdadeiramente.
A Hermética è um discurso fechado, de forma consistente e bem guardado, mas obscuro e ininteligível, que diz respeito às artes esotéricas, como a magia e o ocultismo. É também nesse domínio invisível que o Homem pode descobrir o mundo. Para alguns autores da época, a magia era mesmo a verdadeira ciência e só ela poderia estabelecer a relação entre o visível e o invisível.
O Homem pode descobrir as características mais intímas e relações entre as coisas do macro-cosmos, de descobrir os segredos do Universo. Este Homem do Renascimento afirmava-se como micro-cosmos dentro do macro-cosmos.
Havia no Renascimento oposição à Escolástica, procurava-se uma verdade total e todas as formas de conhecimento eram consideradas.
A Antiguidade era vista como uma perfeição absoluta e reencontrar a perfeição das coisas è a prioridade do Renascimento, a procura da natureza mais intíma e mais autêntica do Homem, queriam no fundo ser movidos pelas mesmas intenções dos gregos e a melhor influência foi a de Platão com o seu Humanismo.
A verdade no Renascimento era uma mistura de vários sistemas mas que se complementavam e nem por isso se excluíam, a verdade sincrética è uma união de teorias ou sistemas, que portanto se complementavam e para se falar de uma realidade eram necessários todos estes sistemas.
A forma Cristã de olhar para a Natureza cai por terra. A Natureza aparece no seu esplendor, por si mesma, vale por si e não porque Deus a criou para os homens.
Como a Natureza se tornou imprevisível, não pode ser estudada pelas leis ou regras, seria uma contradição.
Há um naturalismo estético e mágico e não científico ou racional. A Natureza nunca è reduzida ao esquema de leis e regras. O seu dinamismo è uma força mágica de produção e transformação e ela pode ser comunicável aos magos e mágicos que a podem desvendar.
É então por tal, que o Homem do Renascimento começou por falar demais, sem escutar a resposta das coisas, porque o Homem do Renascimento recusou inicialmente a experimentação ficando-se pela observação, mas nunca de uma forma pioneira, apenas de outra forma, pelo sincretismo. È, uma ilusão que tenha sido o Renascimento a tomar contacto directo com a Natureza, o Renascimento simplesmente elimina a representação da Natureza que era tradicional há vários séculos e constrói outra representação da Natureza deixando a marca do seu génio, próprio da época.

Blaise Pascal - Pensamentos (Fragmentos)

Pascal discorre sobre a importância de caminhar para Deus ou escolhê-Lo. Defende que a vida terrena não tem importância nenhuma comparada com a infinitude ou vida além da morte e, que é no entanto, para nós desconhecida.
Faz um paralelismo entre o infinito matemático e o infinito teológico para provar que apesar de sabermos da existência do infinito nos números, não podemos saber se este seja par ou ímpar e, consequentemente sabemos que existe Deus, mas que Ele não pode ser conhecido pela razão, apenas pela crença, pela fé. Acreditava que o conhecimento científico fosse necessário e universal mas que nem tudo pudesse ser conhecido pela matemática. Há determinados factos na natureza que são distintos dos domínios racionais, estes não deixam de ser compreendidos mas podem ser conhecidos por outras formas, nomeadamente pela experiência e pela crença.
O limite da razão deve consistir em termos noção que há uma infinidade de coisas que não podemos conhecer e que só podemos é reconhecer isso mesmo, os nossos limites racionais.
Não pode ser provada a existência de Deus pela razão, pois esta nada pode determinar por ser insuficiente, por ser apenas metade da natureza do homem, e assim temos que fazer uma escolha pela melhor probabilidade, para superar o facto da vida ser incerta, de estarmos perdidos, e então devemos arriscar e apostar em Deus para ganhar a vida eterna.
Pascal diz que temos sempre que apostar porque já estamos ‘embarcados’ na aventura da vida, e uma vez que é preciso escolher e mediando as hipóteses, temos duas coisas a perder: a verdade e o bem, e duas coisas a empenhar: a razão e a vontade e o conhecimento e bem-aventurança.
Como temos que evitar o erro e a miséria, a razão não fica penalizada porque teria que escolher na mesma, e não escolhendo Deus ou escolhendo não escolher, não perde nada, enquanto que considerando a possibilidade de Deus existir e escolhendo-O, escolhemos a felicidade eterna.
Diz Pascal que “todo o jogador arrisca com certeza para ganhar com incerteza”, querendo isto dizer que é mais do que certo termos que escolher, por já estarmos ‘embarcados’, e ganhamos na vida terrena porque esta opção será a que nos fará viver melhor e em conformidade com Deus, mas nunca saberemos se será certo para além da morte porque Deus é no fundo, uma incerteza.
O homem para Pascal tem que se transcender, sair de si depois de se conhecer e assim caminhar para Cristo, para Deus. Cristo é a única forma de comunhão com Deus. Como a morte é um enigma e a vida após a morte também, há que jogar com isso e é neste texto que Pascal nos coloca a questão de decidirmos se acreditamos em Deus ou não.
Como atrás é referido, no caso de não acreditarmos podemos viver como nos aprouver, e pelo contrário, se acreditarmos deveremos viver da melhor forma conforme Deus para nos aproximarmos d’Ele na morte que é eterna.
Há em Pascal uma grande procura pelo sentido da vida, pelo destino e pela eternidade e o homem precisa de mais do que apenas espírito, corpo e razão, é necessário que haja os três em harmonia para que o homem se cumpra e cumpra o seu destino que é a entrega a Deus.
No final do fragmento, o autor realça o facto de devermos fazer o esforço de diminuir as nossas paixões porque estas enebriam a nossa capacidade de usar a razão e de apostar, diz-nos que devemos sempre apostar porque não temos nada a perder e que a aposta no caminho de Deus é a melhor, porque é o caminho mais correcto para ter uma vida que nos aproxime de ganhar a eternidade.
A eternidade é no fundo apenas o que interessa, visto que a vida terrena é apenas um trilho para a verdadeira estrada.

Edmund Husserl (1859-1938)

A Filosofia como ciência rigorosa

A obra filosófica de Husserl é uma das obras fundamentais do séc. XX, testemunhada pela sua posteridade por muitos outros seus seguidores ou mesmo apenas por muitos outros que a vários níveis se inspiraram nele. É que a filosofia de Husserl retoma o desafio que a ciência triunfante do início do séc. XX lança à filosofia e restitui a esta última um lugar ameaçado e contestado. Com efeito, o projecto de Husserl é, segundo as suas próprias palavras, instituir a filosofia como “ciência rigorosa”, num contexto de crise. Esta crise é simultaneamente a do fundamento das matemáticas e a da filosofia. Na viragem do séc. XX, o psicologismo e o positivismo dominam e, através deles, por um lado a convicção de que as leis lógicas se reduzem ás leis psicológicas que regem a natureza particular do espírito humano e que, por outro lado, a verdade só pode ser encontrada no campo das ciências.
Existe aí um duplo perigo: o de reduzir ao silêncio a filosofia, cuja ambição sempre foi o de conhecer o conjunto das produções – científicas, mas também culturais – do espírito, e do relativismo que recusa conceder à verdade um carácter absoluto. A tarefa da filosofia será reabilitar o vivido, o concreto, sem com isso renunciar ao vigor racional.

O regresso às próprias coisas

Esta palavra de ordem formulada por Husserl manifesta a vontade de descrever simplesmente – antes de qualquer tentativa de explicação – a forma como uma coisa se apresenta à consciência, o modo como as coisas se manifestam. Isto é, elas existem como fenómenos. É por isto que Husserl designa o seu método como “fenomenologia”.
Todavia, é necessário precavermo-nos do contra-senso que consistiria em interpretar os fenómenos como meras aparências, cuja essência seria necessário captar. Pelo contrário, a fenomenologia é uma descrição das essências. Ela descreve o que se passa quando a consciência visa um objecto. Para isso, utiliza aquilo a que Husserl chama a “variação eidética” (do grego eidos, ideia) que consiste em fazer variar imaginariamente as percepções da essência de forma a fazer surgir a invariante.
Por exemplo, o triângulo não seria um triângulo se tivesse mais que três lados, etc., mas a essência do triângulo não existe independentemente do acto de consciência que o visa. Se a visão da essência (neste caso do triângulo) é bem originária, e não derivada – como pretende o empirismo ou o psicologismo – a essência não é separável do acto que a visa, como afirma o platonismo ou os defensores de um realismo das essências. Para acentuar a correlação entre o acto de consciência que visa um objecto – isto é, a intencionalidade – e o objecto visado, Husserl utiliza, aliás, os termos de “noese” para o primeiro e de “noema” para o segundo. Não há transcendência do objecto visado em relação ao sujeito que o visa.

A redução fenomenológica

Nada é mais certo do que a existência de um mundo que ultrapassa e extravasa a simples visão que dele eu possa ter, ou a simples consciência que dele tenho. A questão será então compreender essa certeza, apoiando-me não nesse primeiro nível de evidência simplesmente factual ou empírica: o mundo existe fora de mim, mas numa evidencia mais originária e apodíctica que a fundamenta.
Retomando explicitamente a tese de Descartes, Husserl, nas suas Meditações Cartesianas suspende todo o juízo de existência acerca do mundo e pratica a epoché ou epokhé (do grego, “suspensão de juízo”), a existência do mundo objectivo é colocada entre parênteses e suspende-se qualquer adesão ingénua a seu respeito, de maneira a facilitar o acesso ao eu transcendental. Através desta redução fenomenológica, Husserl alcança a certeza apodíctica da existência do sujeito ou do eu transcendental. Ora, mesmo suspendendo toda a crença no mundo, o sujeito visa um objecto que não se esgota nessa visão. É o que demonstra a sua análise da percepção. Esta casa, na percepção, revela-me uma superfície, mas, enquanto objecto visado, ela tem também uma profundidade, por exemplo, é a forma ou “essência” da casa que é captada pela consciência, e esta excede em todos os sentidos o que é percebido como simples facto, ou conjunto de sensações. Do mesmo modo, nas suas Lições sobre uma Fenomenologia da Consciência Interior do Tempo, Husserl mostrava já como a temporalidade só é possível nesse duplo movimento de presença-ausência, de imanência e de transcendência.

A Intersubjectividade

Sucintamente, se a redução fenomenológica faz aparecer o sujeito transcendental como aquilo a partir do qual se podem manifestar significações e um mundo apreendido através delas, ela todavia não desemboca nem num relativismo, nem num solipsismo. Ou seja, a redução fenomenológica não isola o sujeito ou o eu transcendental num mundo á sua medida. Pelo contrário, é outrém que aí ocupa um lugar primordial. A constituição do mundo, na sua espessura e transcendência, isto é, na sua dimensão simplesmente humana, pressupõe de facto outrém, como Husserl procurará demonstrar na sua Quinta Meditação. Porque outrém não é um simples objecto; é também um sujeito, um alter ego. Outrém apreende um mundo a partir de uma perspectiva e de um ponto de vista diferentes dos meus. No entanto, é o mesmo mundo que é assim constituído e apreendido. Outrém completa e enriquece a minha percepção do mundo. A consciência é intencionalidade objectiva de uma outra coisa que vem a ser ela mesma, constituída pela e na intersubjectividade, isto é, todo o ser humano é um alter ego para ele mesmo. Sem essa partilha e essa troca, isto é, sem a intersubjectividade, como apreensão de um mundo comum, nenhuma cultura artística, histórica ou política seria possível. É através da intersubjectividade que se elabora aquilo a que Husserl irá designar por “o mundo da vida”, esse mundo constituído, que toda a consciência encontra na sua presença originária e no qual ela se inscreve.
Melhor explicando, a redução fenomenológica, não isola o sujeito ou o eu transcendental num mundo à sua medida. A redução une-me aos estados de consciência puros e ás unidades constituídas, essas são inerentes ao meu ego, ou seja, fazem parte do seu próprio ser concreto.
O mundo objectivo pertence à esfera da intersubjectividade, na condição de transcendência “imanente” deixando de ser transcendente. Deste modo dá-se a apreensão de um corpo semelhante ao meu na minha esfera primordial. Então o fenómeno aparece pois esse corpo tem a significação do corpo orgânico. Está bem patente a importância do outro para a minha percepção do mundo.
O meu corpo apresenta um ego que é na realidade um alter ego e consequentemente este é apresentado mas não de uma maneira directa, o que há é uma transposição aperceptiva e ontológica do que se passa com o meu corpo.
Nessa união baseia-se a possibilidade de uma elaboração doutrinal da coexistência humana, uma teoria do mundo objectivamente válida, intersubjectividade, e ainda uma concepção “científica” e rigorosa da história e da cultura (intersubjectividade monadológica).
O objecto intencional não só está presente na consciência de um modo apodíctico como se constitui igualmente através de uma operação do eu, pela qual os elementos orientados à designação e formação do objecto consciente se unificam.
Segundo diferentes perspectivas, o tempo realiza uma primeira síntese unificadora que através da durabilidade do “eu puro” unifica o “presente vivo”, no qual se manifesta a identidade do objecto, mas para a realização desta manifestação junta-se o elemento formal, a intencionalidade, pela qual a consciência pura torna consciência do objecto.
Esta intencionalidade parte do eu e forma os dados materiais em ordem à constituição do objecto, esta, enquanto informa os dados realiza a “noese” e enquanto projecta os dados para a designação dos objectos constitui a “noema”. Esta “noema” ainda não é o objecto intencional, este objecto intencional aparece no prolongamento do seu sentido noemático como pólo oposto ao “eu puro”.
É o fruto da redução transcendental à consciência pura, não negando o objecto da atitude natural nem coincidindo com ele. Para que este apareça válido para além do sujeito individual, deve manifestar-se como intersubjectivo, ou seja, constituído para uma multidão de sujeitos cognoscentes.
Na atitude natural, Husserl mantém-se realista como o homem vulgar, na atitude transcendental sem negar a realidade exterior, fixa-se na realidade enquanto concebida, porque esta posição apresenta-se-lhe como necessária a fim de começar por aquilo que oferece a garantia segura de evidência apodíctica.
Husserl vai apresentar a ciência do “mundo da vida”, reconhecendo o carácter específico desse mundo, apresentando-o na experiência imediata da vida pré-científica. Para Husserl, a primeira operação a realizar é, a já acima mencionada, redução da ciência objectiva, não pondo em causa a sua existência e sem a intenção de viver no mundo sem esta ciência, apenas colocá-la entre parênteses mas continuando a ser um facto cultural, assim atinge-se um plano em que o mundo é considerado tal como é, como o experimentamos na nossa realidade.
O mundo será aquilo para qual remete todo o ente e a partir do qual este se compreende. O individual não nos é dado definitivamente mas como um horizonte que se mantém sempre aberto. É pelo mundo que o ente recebe sentido, este “mundo da vida” é transcendência no aspecto de uma horizontalidade aberta, fundamenta todo o ente e dá orientação ao campo do eu.

Espinosa (1632/1677) - Tratado teológico-político

Espinosa perseguia os princípios da verdadeira religião e pretendia substituir a revelação pelas luzes naturais da razão, neste seu Tratado teológico-político esforçou-se por interpretar a Bíblia segundo as luzes da razão, o que lhe trouxe críticas violentas e injustas.
Espinosa na sua obra, fala-nos da interpretação da Escritura, obra esta como sabemos, de uma leitura peculiar devido às características que a compõem e fazem dela a obra única que é.
Sublinha então algumas características que nos permitem interpretar a Escritura. Para este, o método de interpretar a Escritura não difere muito ou em nada mesmo no método de interpretação da natureza.
O método de interpretação da natureza consiste em descrever a história da natureza e concluir daí, com base em dados certos, as definições das coisas naturais. Também para interpretar a Escritura é necessário elaborar a sua história autêntica e depois com base em dados e princípios certos deduzir como legítima consequência o pensamento dos seus autores. Por outras palavras, é a partir desta interpretação, apenas da obra, que se pode compreendê-la. Não se devem admitir outros princípios nem outros dados além dos que se podem extrair da obra e da sua história, só assim podemos interpretar sem tanto perigo de errar e discutir com segurança as coisas que ultrapassam a nossa compreensão como aquelas que conhecemos pela luz natural. Esta, para o autor, é a única e correcta via de interpretação além de estar em conformidade com o método de interpretação da natureza.
A Escritura trata também de coisas que não se podem interpretar pelos princípios conhecidos pela luz natural, daí que há factos que ultrapassam a compreensão humana como os milagres e as revelações. Com isto, Espinosa diz-nos que é apenas na Escritura que se deve procurar respostas e não fora desta. Quanto aos ensinamentos morais há que ver que não podemos julgar a Escritura pelos nossos preconceitos mas sim a partir da própria Escritura, só lá podemos perceber a inclinação e certeza dos profetas para a justiça e bondade, e para quem não sejam evidentes estes factos terá dificuldade em perceber a obra. Temos que partir do princípio da veracidade, e também para Espinosa, a Escritura é uma obra sem definições, só a compreendemos a partir de deduções nossas.
Para que tudo isto seja possível existem vários factores a ter em conta, um deles será o perceber a língua em que o texto foi escrito, pois embora a Escritura seja divulgada em outras línguas, aparecem-nos sempre hebraísmos. Um segundo ponto será tentar perceber o sentido das ideias, não a verdade. Não nos podemos deixar influenciar pelo nosso raciocínio ou preconceitos, temos que manter a mente aberta e ter em conta interpretações metafóricas que nos surgem e que para nós até podem parecer não as ser, mas no sentido em que está no texto, por causa até da língua usada (por exemplo), serem metáforas.
Cada interpretação tem que ser feita de acordo com o texto ou obra em questão e nunca através das nossas ideias pré-concebidas. Outro ponto será ainda, ter em conta e investigar se as fontes são fidedignas ou não, com efeito, para sabermos quais as opiniões que são enunciadas como leis e quais as que são ensinamentos morais, importa conhecer a vida, os costumes e os estudos do autor. Este aspecto torna mais fácil explicar as palavras de alguém mais facilmente e ainda podemos conhecer melhor o seu talento e maneira de ser. Importa saber a época, lugar e para quem foram escritas as obras e também se com os tempos a obra foi adulterada ou não por outras pessoas afim de entendermos ou adquirirmos ensinamentos apenas verdadeiros.
Na história da Escritura é necessário, antes de tudo, procurar o que é mais universal e que constitui a base e fundamento de toda a obra, há que encontrar os pontos ou assuntos principais. Depois destes é que passamos a assuntos mais particulares, práticos e diferentes em várias situações, tem que haver adequação à interpretação.
Na vida prática para se analizarem textos será desta forma acima referida, mas numa forma especulativa já não será assim tão fácil. Temos que partir também de princípios universais averiguando através de frases que sejam claras o que são as profecias e revelações, em que consistem e depois o que será um milagre e assim por diante até chegarmos às coisas mais comuns.
Sobre isto Espinosa diz-nos que podemos apenas conjecturar mas nunca concluir com certeza e com fundamento na Escritura. Para este autor, este seu modo será o mais correcto de interpretação da Escritura e até o único que permite encontrar o verdadeiro sentido.
Acontece frequentemente corromper-se o pensamento de um autor, alterando-se-lhe as frases ou interpretando-as mal conforme a sua obra vai sendo transcrita ou interpretada ao longo do tempo. O conhecimento da Escritura é extraído apenas da própria.
No entanto, como o autor refere, podemos observar que este método apresenta várias dificuldades sendo uma delas o conhecimento da língua hebraica. Não temos em que nos basear, visto que o povo hebraico pouco ou nada nos legou, há apenas fragmentos da língua e um pouco de literatura. Assim sendo torna-se impossível determinar com segurança o verdadeiro sentido de todos os textos da Escritura, nem mesmo através de comparações de frases ou textos dá para termos esclarecimento límpido, o que venha a coincidir terá sido mero acaso.
Aprofundando o que já foi mencionado sobre os autores ou fontes fidedignas, surge a necessidade de saber se a história contada é a correcta, pois como já constámos várias vezes na nossa vida, existe por vezes a mesma história contada de formas muito diferentes. Temos com isto, que descobrir quais as autênticas e se não terá havido outras versões apresentadas por autores de maior autoridade ou mesmo credibilidade.
A forma como o texto é escrito também é de uma importância significante, há quem escreva de uma forma clara, simples e inteligível para que todos entendam sem dificuldades, e quem escreva de uma forma obscura que só nos trás dificuldades ao entendimento. Assim, Espinosa, é da opinião de que com um ensinamento claro adquirimos logo o verdadeiro sentido, sendo quase desnecessário investigar as fontes, o autor ou a língua, um texto claro é perceptível até ao nível de conhecimento de uma criança.
O ensinamento da verdadeira piedade exprime-se por palavras mais correntes porque são mais simples e fáceis de entender. Desta forma, podemos perceber com clareza o conteúdo da Escritura no que diz respeito às coisas salutares e necessárias e não temos que nos inquietar com o resto já que na maioria das vezes não podemos abraçar a razão e pelo intelecto todo o resto.
Espinosa é um defensor da luz natural como princípio do conhecimento da Escritura, para o autor a luz natural é o que é humano, meditado durante muito tempo e só com muito trabalho encontrado, a luz sobrenatural é para ele um dom divino concedido unicamente aos fieis e não é necessário para o conhecimento ou interpretação da Escritura, diz até que quem precisasse da luz sobrenatural para entender os profetas seria porque estava carenciado de uma luz natural.
Espinosa contesta a opinião de Maimónides mostrando-nos de que nada valia o seu método de interpretação e que este era de todo inútil.
Em suma, cada homem com o direito de liberdade que tem, tem também o direito de julgar o que bem entenda, mesmo em matéria religiosa este tem o seu voto a dar. Sendo assim, através de uma educação bem conduzida, da sua livre decisão e advertência piedosa e fraterna qualquer homem tem autoridade de julgar qualquer assunto como bem entender.
É então que para Espinosa, mais uma vez o seu método de interpretação é o correcto pois a norma para essa interpretação só pode ser a luz natural comum a todos os homens e não uma qualquer luz superior á natureza ou uma qualquer autoridade externa. Este é um método em consonância com a índole e a capacidade natural do comum dos homens.
Todas as dificuldades apresentadas não resultam da sua natureza mas sim da negligência do homem.
Espinosa diz que o remédio está na luz natural a que chamamos razão e que se encontra em cada um de nós. Os homens procuram Deus nos livros sagrados e nas palavras dos profetas, não vêem que nos livros e nos discursos apenas há letras e sons, que é somente pela sua razão que dão um sentido a tudo isto e que, numa palavra, só podem encontrar Deus nos livros porque já o tem em si mesmos. A revelação pelos livros supõe, portanto a revelação interior, para atingir a verdadeira religião e verdadeira felicidade, temos apenas de utilizar como convém a nossa razão.
Este conhecimento da natureza de Deus, sendo realmente comum a todas as ideias de todas as coisas, está compreendido também na ideia do nosso corpo, isto é, da nossa alma. Para falar de outro modo, no nosso conhecimento devem estar compreendidas as condições sem as quais o nosso conhecimento não seria possível; deve ser possível dar conta do facto de que pensamos, porque de facto pensamos; e, uma vez que o nosso pensamento é real, contém realmente em si as condições que o tornam possível; ora nada se pode conceber sem Deus; pelo próprio facto de termos ideias, pensamos, portanto, implicitamente a ideia de Deus em cada uma delas. O que acontece por acaso a quem usa da sua razão, e sem que disso se aperceba claramente, é que aquele que reflectiu sobre a ideia verdadeira dada o faz para cada verdade particular e, cada vez que o faz, descobre em si uma parte de uma alma eterna; com verdades particulares assim directamente apreendidas, ele constrói-se realmente uma alma, a sua alma; toma consciência e identidade da sua verdadeira natureza com a natureza absoluta do pensamento, com Deus.

Stº Agostinho, Sobre a Felicidade

A este pensador atribui-se a expressão de “filosofia cristã” pois foi quem se preocupou em fundamentar e explicar a religião cristã através da dimensão filosófica, dando-lhe assim mais credibilidade e consistência, visto que a religião estava a dar os seus primeiros passos na altura em questão.
Deslocando o tema da felicidade para o da ontologia, e em virtude da dinâmica hetero-ôntica que a trindade reflecte e funda, Agostinho transformou o tema da felicidade num estudo sobre o amor e o desejo, sua fenoménica dimensão. “Gozar da verdade de Deus” é o fim real deste desejo, a afirmação da sua possibilidade que nos leva ao desejo humano da divinização. É aqui que entra a filosofia para Agostinho, é a expressão desse sentimento no campo explicativo e compreensivo, e que não tem tão melhor acesso noutra linguagem que na filosófica.

Tanto o corpo pode adoecer sem comida como a alma sem conhecimento, é ao que chamam de esterilidade ou fome das almas ao contrário de frugalidade que é a virtude.
A propósito de ser feliz, não o é quem não tem o que quer, mas também não pode ser feliz quem tem tudo o que quer. Para se ser feliz, tem que se ter coisas permanentes e não caducas ou mortais porque elas não podem ser por nós possuídas quando queremos ou durante quanto tempo queremos. Tudo o que depende de circunstâncias do acaso perde-se, logo, quem as ama e possui não pode ser feliz.
A ignorância é a posse do não ter, do nada possuir de sabedoria e a felicidade consiste na sabedoria, por sua vez, esta é a moderação da alma. Então, a sabedoria é a medida da alma, ser feliz é ser sábio que é aquele que não é indigente.

“Quem portanto chegar á suprema medida pela verdade, é feliz. Isto é que significa para a alma possuir Deus, ou seja, gozar de Deus, e no entanto enquanto procuramos ainda não alcançamos a fonte e, para me servir da palavra de há pouco, não nos saciamos com toda a plenitude, ainda não alcançámos a nossa medida. E de igual modo, mesmo que Deus nos ajude, ainda não somos sábios nem felizes. Assim, a plena saciedade das almas, a vida feliz, consiste em conhecer com perfeita piedade quem nos guia para a verdade, que verdade fruir, e através de quê nos unimos com a suprema medida. Banidas as várias superstições da vaidade, estas 3 coisas revelam-nos a compreensão de um só Deus e de uma só substância.”
In Diálogo sobre a felicidade, cap. IV

Pedro Abelardo (1079/1142)

Nasceu em Le Pallet, perto de Nantes, na França em 1079. Cedo abraçou a vida das letras e cedo se revelou um discípulo insatisfeito. Teve por mestres Guilherme de Champeaux, Roscelin e Anselmo de Laon, os quais ultrapassou rapidamente pela sua crítica em relação ás doutrinas por eles professadas – universais e dialéctica principalmente.
Abelardo não pode ser lembrado pela sua humildade, pois bem pelo contrário, predominava o seu espírito guerreiro, curioso e insatisfeito. Desta forma, cria uma escola própria que atinge um enorme sucesso e em seguimento ocupa a Cátedra de Notre-Dame que acaba por ser o primeiro núcleo de universidade livre em França e logo se torna o maior centro de cultura sagrada e profana e para a qual seguia a mais selecta juventude de toda a Europa.
Pedro Abelardo é uma das personalidades mais notáveis do séc. XII, tão rico em espíritos cultos e em carácteres fortemente aguerridos. Este filósofo apaixonado de espírito agitado, orgulhoso e combativo, teve uma carreira bruscamente interrompida por um episódio passional com desenlace dramático. Conhece Heloísa por volta de 1114-1118, data esta em que obtinha o seu auge em magistério, reza a história que a jovem seria sua pupila e acabando apaixonados, casam em segredo. Segredo este que resulta na sua castração dando origem á entrada dos dois amantes para mosteiros.
Etienne Gilson, comenta que talvez seja maior a obra de Abelardo que se depreende pela poderosa atracção sobre a sua pessoa que propriamente pela originalidade das suas especulações filosóficas mas a verdade é que este pensador deixa um importante contributo para a história além da sua figura carismática.
A sua obra subdivide-se em duas áreas: filosófica e teológica, nas quais com particular importância pela lógica e ética, respectivamente.
Do ponto de vista teológico, a sua obra Sic et Nom (sim e não), reúne os testemunhos aparentemente contraditórios da Escritura e dos padres da igreja sobre um grande número de questões, defende que não se deve utilizar arbitrariamente as autoridades em matéria de teologia. O seu objectivo seria reunir contradições aparentes para levantar questões e suscitar nos espíritos o desejo de absorvê-las, revela-se assim, o método escolástico de que alguns autores dizem ser Pedro Abelardo um dos seus fundadores entre os quais também figuram Sto. Anselmo, S. Bernardo e Ricardo de S. Victor.
Mesmo misturando Teologia com Filosofia nunca variou sobre o princípio de que a autoridade passa antes pela razão, de que a dialéctica tem por utilidade principal o esclarecimento das verdades da fé e a refutação dos infiéis, de que a salvação da alma nos vem das Sagradas Escrituras e não dos livros dos filósofos. A parte mais importante da obra filosófica de Abelardo nasceu da sua actividade como professor de lógica, nos seus escritos desenvolve os dons excepcionais que fizeram o sucesso do seu ensino: a arte de colocar as questões filosóficas mais interessantes a propósito dos textos considerados, clareza na discussão dos problemas e rigor nas fórmulas no momento de resolvê-las. Comenta ainda tratados de Boécio e corrige-lhe pensamentos em relação a Aristóteles.
Abelardo encontra a filosofia quando vai de encontro ao problema dos universais (que ainda hoje se discutem) e passa pelo problema central da moral, o do fundamento da moralidade dos actos que seria aquele para o qual menos bastava para ser um bom lógico.
Distingue o vício do pecado. O vício é uma inclinação a consentir o que não convém, ou seja, não fazer o necessário ou não se abster de fazer o que não é preciso. Por si mesmo, o vício não é um pecado, mas uma propensão a pecar contra a qual podemos lutar e que é, assim, para nós uma ocasião de mérito. O próprio pecado é privado de substância, não consiste na propensão do querer pois ainda que a nossa tendência natural seja fazer o mal, fazemos o bem se, enquanto essa mesma tendência durar, agimos contra ela. Não consiste no resultado do próprio acto, na sua materialidade, o pecado consiste exactamente em não nos abstermos do que não se deve fazer, isto é, em consentirmos isso. Consentir o mal é desprezar a Deus e a intenção de fazê-lo é a própria essência do pecado.
O que é válido para o mal também é válido para o bem e assim sendo, agir bem é agir na intenção de respeitar a vontade divina. Assim, é preciso distinguir entre bondade de intenção e bondade do resultado como entre a malícia da intenção e a malícia do resultado. Uma intenção que é boa por si pode ter por efeito uma obra por si má ou vice-versa; mas se o acto moral que dita uma intenção boa é sempre um acto bom, como o que dita uma intenção má é sempre mau.
Tanto para o bem como para o mal a moralidade do acto confunde-se com a da intenção. Uma boa intenção é o resultado de agir bem e não basta crer que o que se faz agrada a Deus, é preciso que seja aquilo que Deus quer que o homem faça.
Abelardo bem vê que a impressão pessoal de ter uma boa intenção não basta, como lógico que é, segue as consequências de seus príncipios e sustenta que é a intenção que decide porque os que não conhecem o Evangelho não cometem nenhum erro ao não crerem em Cristo. Não se pode pecar contra uma lei que se ignora. No entanto, predomina sempre o príncipio de que a infidelidade exclui do reino de Deus (os infiéis), e esses poderiam ser os filósofos pagãos, mas Abelardo contrapõe que aqueles que levaram uma vida mais castigada receberam de Deus uma certa luz da verdade, souberam que há um só Deus e alguns pressentiram o dogma da Trindade ou mesmo os Mistérios da Encarnação e da Redenção.
Já que Deus revelou o essencial das verdades salutares aos judeus e aos profetas, aos pagãos pelos filósofos, eles são indesculpáveis se não ouviram os ensinamentos de seus mestres. Ao contrário, aqueles dentre eles que os ouviram certamente foram salvos. Abelardo estima que muitos pagãos e alguns judeus o foram, e entre os pagãos, primeiro os Gregos, depois os latinos que seguiram as suas doutrinas. Seguiram a lei natural que o Evangelho apenas leva á perfeição, portanto não nos poderíamos surpreender com a conformidade das suas vidas com a que o Evangelho recomenda e de que os santos deram o exemplo.
A esse respeito, Abelardo diz: “Constataremos, pois, que sua vida, como sua doutrina, exprime ao mais alto grau a perfeição evangélica e apostólica, que pouco ou nada se afastam da religião cristã e que nos são unidos, não só pelos costumes, mas pelo próprio nome. Pois chamamo-nos cristãos porque a Verdadeira Sabedoria, isto é, a Sabedoria de Deus Pai, é Cristo; logo, merecemos verdadeiramente o nome de filósofos se amamos de facto Cristo.”
Abelardo evidencia a consciência como centro de irradiação da vida moral, fonte de intenção, esse é o factor primário e o motivo básico da vida moral ou ainda o que ele qualifica como boas ou más acções, já acima mencionadas, distingue claramente o plano da instintividade do plano propriamente consciente e racional.
O primeiro plano encontra-se a um nível pré-moral, constituído pelas inclinações, impulsos e desejos e o segundo plano é constituído pela iniciativa do sujeito, ou seja, pelas suas intenções e propósitos que faz com que este, seja um plano completamente moral.
Portanto, poder-se-ia pensar que a consciência individual constitua a norma imanente e absoluta da moralidade e que, o sistema abelardiano poderá ser qualificado como ‘subjectivismo ético’. Na realidade, a tentativa de interiorização da vida moral está constantemente aberta para normas objectivamente válidas e, desse modo, a uma ordem moral objectiva, isto é, á lei divina, a cujos imperativos se deve adequar a conduta dos homens. Embora a moralidade do acto seja essencialmente interior, a norma e a medida dessa moralidade são dadas pela adequação da nossa vida ás prescrições divinas. Isso confirma que a razão primeiro e a consciência depois, estão em função do dado revelado e, portanto, de uma melhor compreensão do espírito das verdades cristãs.