sábado, dezembro 04, 2004

Pedro Abelardo (1079/1142)

Nasceu em Le Pallet, perto de Nantes, na França em 1079. Cedo abraçou a vida das letras e cedo se revelou um discípulo insatisfeito. Teve por mestres Guilherme de Champeaux, Roscelin e Anselmo de Laon, os quais ultrapassou rapidamente pela sua crítica em relação ás doutrinas por eles professadas – universais e dialéctica principalmente.
Abelardo não pode ser lembrado pela sua humildade, pois bem pelo contrário, predominava o seu espírito guerreiro, curioso e insatisfeito. Desta forma, cria uma escola própria que atinge um enorme sucesso e em seguimento ocupa a Cátedra de Notre-Dame que acaba por ser o primeiro núcleo de universidade livre em França e logo se torna o maior centro de cultura sagrada e profana e para a qual seguia a mais selecta juventude de toda a Europa.
Pedro Abelardo é uma das personalidades mais notáveis do séc. XII, tão rico em espíritos cultos e em carácteres fortemente aguerridos. Este filósofo apaixonado de espírito agitado, orgulhoso e combativo, teve uma carreira bruscamente interrompida por um episódio passional com desenlace dramático. Conhece Heloísa por volta de 1114-1118, data esta em que obtinha o seu auge em magistério, reza a história que a jovem seria sua pupila e acabando apaixonados, casam em segredo. Segredo este que resulta na sua castração dando origem á entrada dos dois amantes para mosteiros.
Etienne Gilson, comenta que talvez seja maior a obra de Abelardo que se depreende pela poderosa atracção sobre a sua pessoa que propriamente pela originalidade das suas especulações filosóficas mas a verdade é que este pensador deixa um importante contributo para a história além da sua figura carismática.
A sua obra subdivide-se em duas áreas: filosófica e teológica, nas quais com particular importância pela lógica e ética, respectivamente.
Do ponto de vista teológico, a sua obra Sic et Nom (sim e não), reúne os testemunhos aparentemente contraditórios da Escritura e dos padres da igreja sobre um grande número de questões, defende que não se deve utilizar arbitrariamente as autoridades em matéria de teologia. O seu objectivo seria reunir contradições aparentes para levantar questões e suscitar nos espíritos o desejo de absorvê-las, revela-se assim, o método escolástico de que alguns autores dizem ser Pedro Abelardo um dos seus fundadores entre os quais também figuram Sto. Anselmo, S. Bernardo e Ricardo de S. Victor.
Mesmo misturando Teologia com Filosofia nunca variou sobre o princípio de que a autoridade passa antes pela razão, de que a dialéctica tem por utilidade principal o esclarecimento das verdades da fé e a refutação dos infiéis, de que a salvação da alma nos vem das Sagradas Escrituras e não dos livros dos filósofos. A parte mais importante da obra filosófica de Abelardo nasceu da sua actividade como professor de lógica, nos seus escritos desenvolve os dons excepcionais que fizeram o sucesso do seu ensino: a arte de colocar as questões filosóficas mais interessantes a propósito dos textos considerados, clareza na discussão dos problemas e rigor nas fórmulas no momento de resolvê-las. Comenta ainda tratados de Boécio e corrige-lhe pensamentos em relação a Aristóteles.
Abelardo encontra a filosofia quando vai de encontro ao problema dos universais (que ainda hoje se discutem) e passa pelo problema central da moral, o do fundamento da moralidade dos actos que seria aquele para o qual menos bastava para ser um bom lógico.
Distingue o vício do pecado. O vício é uma inclinação a consentir o que não convém, ou seja, não fazer o necessário ou não se abster de fazer o que não é preciso. Por si mesmo, o vício não é um pecado, mas uma propensão a pecar contra a qual podemos lutar e que é, assim, para nós uma ocasião de mérito. O próprio pecado é privado de substância, não consiste na propensão do querer pois ainda que a nossa tendência natural seja fazer o mal, fazemos o bem se, enquanto essa mesma tendência durar, agimos contra ela. Não consiste no resultado do próprio acto, na sua materialidade, o pecado consiste exactamente em não nos abstermos do que não se deve fazer, isto é, em consentirmos isso. Consentir o mal é desprezar a Deus e a intenção de fazê-lo é a própria essência do pecado.
O que é válido para o mal também é válido para o bem e assim sendo, agir bem é agir na intenção de respeitar a vontade divina. Assim, é preciso distinguir entre bondade de intenção e bondade do resultado como entre a malícia da intenção e a malícia do resultado. Uma intenção que é boa por si pode ter por efeito uma obra por si má ou vice-versa; mas se o acto moral que dita uma intenção boa é sempre um acto bom, como o que dita uma intenção má é sempre mau.
Tanto para o bem como para o mal a moralidade do acto confunde-se com a da intenção. Uma boa intenção é o resultado de agir bem e não basta crer que o que se faz agrada a Deus, é preciso que seja aquilo que Deus quer que o homem faça.
Abelardo bem vê que a impressão pessoal de ter uma boa intenção não basta, como lógico que é, segue as consequências de seus príncipios e sustenta que é a intenção que decide porque os que não conhecem o Evangelho não cometem nenhum erro ao não crerem em Cristo. Não se pode pecar contra uma lei que se ignora. No entanto, predomina sempre o príncipio de que a infidelidade exclui do reino de Deus (os infiéis), e esses poderiam ser os filósofos pagãos, mas Abelardo contrapõe que aqueles que levaram uma vida mais castigada receberam de Deus uma certa luz da verdade, souberam que há um só Deus e alguns pressentiram o dogma da Trindade ou mesmo os Mistérios da Encarnação e da Redenção.
Já que Deus revelou o essencial das verdades salutares aos judeus e aos profetas, aos pagãos pelos filósofos, eles são indesculpáveis se não ouviram os ensinamentos de seus mestres. Ao contrário, aqueles dentre eles que os ouviram certamente foram salvos. Abelardo estima que muitos pagãos e alguns judeus o foram, e entre os pagãos, primeiro os Gregos, depois os latinos que seguiram as suas doutrinas. Seguiram a lei natural que o Evangelho apenas leva á perfeição, portanto não nos poderíamos surpreender com a conformidade das suas vidas com a que o Evangelho recomenda e de que os santos deram o exemplo.
A esse respeito, Abelardo diz: “Constataremos, pois, que sua vida, como sua doutrina, exprime ao mais alto grau a perfeição evangélica e apostólica, que pouco ou nada se afastam da religião cristã e que nos são unidos, não só pelos costumes, mas pelo próprio nome. Pois chamamo-nos cristãos porque a Verdadeira Sabedoria, isto é, a Sabedoria de Deus Pai, é Cristo; logo, merecemos verdadeiramente o nome de filósofos se amamos de facto Cristo.”
Abelardo evidencia a consciência como centro de irradiação da vida moral, fonte de intenção, esse é o factor primário e o motivo básico da vida moral ou ainda o que ele qualifica como boas ou más acções, já acima mencionadas, distingue claramente o plano da instintividade do plano propriamente consciente e racional.
O primeiro plano encontra-se a um nível pré-moral, constituído pelas inclinações, impulsos e desejos e o segundo plano é constituído pela iniciativa do sujeito, ou seja, pelas suas intenções e propósitos que faz com que este, seja um plano completamente moral.
Portanto, poder-se-ia pensar que a consciência individual constitua a norma imanente e absoluta da moralidade e que, o sistema abelardiano poderá ser qualificado como ‘subjectivismo ético’. Na realidade, a tentativa de interiorização da vida moral está constantemente aberta para normas objectivamente válidas e, desse modo, a uma ordem moral objectiva, isto é, á lei divina, a cujos imperativos se deve adequar a conduta dos homens. Embora a moralidade do acto seja essencialmente interior, a norma e a medida dessa moralidade são dadas pela adequação da nossa vida ás prescrições divinas. Isso confirma que a razão primeiro e a consciência depois, estão em função do dado revelado e, portanto, de uma melhor compreensão do espírito das verdades cristãs.

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