sábado, abril 30, 2005

A chain-letter culta

Corre a net à velocidade luz e mais cedo ou mais tarde apanha-nos na teia. Este veio da LN e o Miguel como também já mo tinha apresentado no defunto (quase a rejuvenescer) Escolaridades, deixo-lhes um beijinho. :)

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Depreendo pela pergunta que teria que ser obrigatoriamente um livro a ser queimado... hum... é maldade, não conseguiria queimar livros, mas hipoteticamente poderia ser a colecção completa das Sabrinas (eheh).

Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por uma personagem de ficção?
Não. Entram-me facilmente como ar, mas nunca ao ponto de ficar apanhadinha. Pela ficção em si sim, pelo personagem não.

Qual foi o último livro que compraste?
"O Crepúsculo do Dever - A ética indolor dos novos tempos democráticos" de Gilles Lipovetsky e o "Mito do Contexto - Em defesa da ciência e da racionalidade" de Karl Popper.

Qual o último livro que leste?
"A Rebelião das Massas" de Ortega Y Gasset

Que livros estás a ler?
Tenho sempre alguns em mãos, apesar de gostar de ler um de cada vez. "Sete cartas a um jovem filósofo" de Agostinho da Silva; "O futuro está aberto" de K. Popper e Konrad Lorenz.

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
"A Condição Humana" de Hannah Arendt (incontornável, mantenho LN)
"O Existencialismo é um Humanismo" Sartre
"Ética a Nicómaco" Aristóteles
"CRP"; "CRPr"; "CFJ" de Kant (isto vai parecer muiiiiito estranho a vocês, mas numa ilha deserta...entendam!)
Levava tudo de Herman Hesse e de Goethe e... e... não sei fazer isto sem fazer batota!
Já agora, será que o MacGyver escreveu alguma coisa? Dava jeitinho na ilha. ;)

A quem vais passar este testemunho (3 pessoas) e porquê?
Vou mandá-lo para o Vitor do Povo, para o Vasco do Santuário e para a Beatriz do Poesis.
Amanhem-se amigos!
Porquê? Não é por superstição, garanto-vos eu. Pela curiosidade.

Poesia e Tragédia

A literatura grega pré-clássica é a expressão do processo de auto-formação/perfectibilização do homem. Esse processo registado pela literatura, é a vivência da moralidade pela moral vivida, ou seja, as manifestações do homem, o que é diferente da moral convencionada, que a título de exemplo, refiro os Direitos Humanos.
Nesta fase da humanidade ainda não se falava de ética, de moral ou de direito. Considera-se este um pré-momento da norma, que apesar de ainda não racionalizada, já estava exemplificada na Poesia, deliberada nas Tragédias (porque já era reflectida), expressa e percebida pelos 7 Sábios na dimensão individual e social e no Orfismo é francamente percebida, na medida em que o homem presta já contas da sua vida.
A poesia retrata narrativas acerca da relação da vida dos deuses com os homens. São teogonias sobre a condição do homem e o seu destino. Os temas passam pela educação e a virtude, que é a excelência do homem (arete), e os exemplos são dados por heróis. A arete é vista como um atributo de formação física e dirigida aos atributos físicos do herói.
O homem grego não tem liberdade, torna-se quase impotente e condicionado perante a força do destino (moira) que acreditava já estar traçado.
As tragédias são normativas para a comunidade e funcionam como formação espiritual do homem. Há nas tragédias uma vivência, um drama existencial mais profundo, e aqui, o homem já ganha maior dimensão espiritual, está mais humanizado. Logo, a sua capacidade deliberativa aumenta conforme a trama que aumenta também nas tragédias. Os temas tratados são a vontade, o destino, a deliberação, a lei divina e a lei cósmica e os exemplos dados são também através dos heróis e heroínas.
Apesar das parecenças com a poesia, as manifestações da necessidade, quer da Natureza quer do destino são visíveis, mas já com menos peso, com manifestações mais ténues. A força do destino vai diminuindo porque a dimensão espiritual do homem aumenta, intensifica-se ao avançar do tempo. Aqui as qualidades exaltadas são claramente as psicológicas, a arete deixa de ser uma excelência física e passa a ser uma excelência espiritual. Começa-se a perceber uma procura por respostas, um descobrir da interioridade, e isso nota-se pelos heróis que começam já a revelar sentimentos e a exprimir a sua fraqueza, típica do homem.
Todas as tragédias exprimem uma normatividade, mas já para a comunidade e não como na poesia, que seria o exemplo para cada um. Todas são histórias acerca de deliberações.
Antígona é para Heidegger, a primeira obra ética, exprime o dilema entre a ética e o direito. A ética na pele de Antígona e o direito pela sua irmã Esmera. A acção de Antígona é determinada pela consciência e a acção de Esmera determinada de acordo com a lei política. Um dilema que representa a indecisão entre seguir aquilo que lhe dita a consciência ou obedecer às leis.

sexta-feira, abril 29, 2005

Antígona de Sófocles

Em Antígona, a tragédia, tem como heroína Antígona, filha de Édipo e Jocasta.
A intriga da história começa com uma alusão à guerra dos Sete contra Tebas, na qual os dois irmãos de Antígona, Etéocles e Polinices, se confrontam em lados opostos. Ambos morrem no campo de batalha mas, aos olhos de Creonte, tio daqueles, Polinices é considerado traidor de Tebas e, por isso, não lhe são concedidas honras fúnebres.
Antígona recusa-se a cumprir a ordem de Creonte e, considerando tratar-se de um dever sagrado dar sepultura aos mortos, infringe a ordem do soberano e realiza os rituais fúnebres a que o irmão tem direito. Devido a este acto de piedade, Antígona é condenada à morte pelo rei de Tebas e encarcerada viva no túmulo dos Labdácidas, de quem descende. A acção impiedosa do rei será punida no final da tragédia: ao tomar conhecimento da morte de Antígona, Hémon, filho de Creonte e noivo de Antígona, suicida-se. Por consequência deste segundo suicídio, é a vez de Eurídice, mãe de Hémon, decidir "morar eternamente no Hades".
Antígona é caracterizada, essencialmente, pelo seu acto de desobediência, solitário e poderoso. É uma personagem que contém força e agressividade, sendo capaz de arriscar tudo em defesa dos seus princípios. Enquanto aos olhos de Creonte e de alguns conselheiros de Tebas, a filha de Édipo não passa de um ser movido pelo ódio e pela ambição, para outros ela é apenas uma jovem inocente, justa e acometida de piedade para com os mortos. Esta não é, pois, uma caracterização unânime.
Do ponto de vista familiar, a heroína é uma personagem que representa o lado frágil e sofredor da família contra aquele que detém o poder. Antígona é, assim, detentora de um sentido político uma vez que é colocada ao mesmo nível do seu adversário, Creonte, o rei.
A vida e a morte surgem como os valores mais importantes do ser humano, abordando concomitantemente outros temas como o amor fraternal e o respeito pelas leis humanas e naturais.
Já no seu tempo Sófocles havia criado os seus carácteres inspirado no ideal de conduta humana. Humanizou a tragédia e fez dela o modelo imortal da educação humana. Assim, Antígona eleva-se a uma grandeza humana pelo aniquilamento da sua própria felicidade terrena e da sua existência física e social. O drama de Sófocles gira em torno da imposição política que pesa sobre o espírito individual na interioridade silenciosa do ser. Este silêncio e também a solidão são as condições essenciais do teatro de Sófocles.

«Apenas o tempo revela o homem justo; basta um dia para pôr a nu um pérfido»
«Há algo de ameaçador num silêncio muito prolongado»

(Leiam se puderem que é pequenina, foi considerada a primeira tragédia sobre os dilemas éticos.)

quinta-feira, abril 28, 2005

Alegoria da Caverna

Platão relata no seu livro A Républica a bem conhecida Alegoria da Caverna. Nela, seres humanos são prisioneiros numa caverna escura onde estão agrilhoados, e apenas podem olhar em frente e ver o movimento de sombras projectadas na parede. A realidade de que se apercebem são apenas essas sombras, nada sabem de si e dos outros. Sucede então que um desses seres humanos escapa das amarras e sai da caverna. Mas regressa para contar aos outros que permaneceram prisioneiros o que é o mundo exterior, o Universo, a Vida. Só que os prisioneiros desprezam tais relatos, acusando o colega "livre" como sendo louco e mentiroso.
Como pode a realidade ser tão complexa quando o que a sua experiência mostra são somente as sombras que se movem e existem nas paredes da caverna?

Sto. Anselmo afirmou Credo ut intelligam que me atrevo a traduzir como Crer para Compreender. Acredito em modelos científicos que poderão dar a chave para formular as perguntas que definem estratégias onde encontrar as respostas e explicações sobre o Universo, mas também acredito que haja muito mais além disso.

Há o excerto da Alegoria da Caverna neste endereço, é pequenino e não maça nada.
Extraído da República, Livro VII, 514a-517c (Ed. Gulbenkian).

quarta-feira, abril 27, 2005

Psicologia Transpessoal

Obviamente existirá toda uma série de conceitos nos quais eu não vou entrar por falta de tempo e por abordar este tema de uma forma muito, muito sucinta e sem grandes pormenores. Poderei eventualmente aprofundar alguns aspectos quando for oportuno no futuro e sempre que os leitores demonstrarem interesse, limitando-me a transferir os poucos conhecimentos que vou amealhando, não sendo propriamente um “expert” mas apenas o amador (aquele que ama) que gosta de partilhar os seus valores.
Como todos sabem ou podem facilmente depreender, a psicologia mais de que qualquer outra ciência cruza diversos campos das ciências ditas experimentais ou com substratos físicos mais evidentes. Numa lógica humanista e contrária a uma ciência redutora que perspectivaria o estudo humano segundo leis mecanicistas surge ou vai surgindo uma necessidade de englobar o ser humano no seu todo, conferindo um outro sentido à sua necessidade de auto-conhecimento. É neste contexto que surge esta ciência emergente denominada psicologia transpessoal ou psicologia da consciência.
Para melhor compreensão destes conceitos convém debruçarmo-nos sobre dois aspectos fundamentais, o transpessoal e a consciência. O transpessoal muito sucintamente define o que vai para além do pessoal ou ego propriamente dito e definiria o “eu” como uma entidade talvez mais “alargada” do que o entendimento comum, onde o ego poderia funcionar como condensador de uma realidade maior. A consciência é o complexo de fenómenos psíquicos que se apresentam na unidade de tempo e que permitem o conhecimento do próprio eu e do mundo exterior. Pode ser ainda definida de um modo mais abrangente, como a “totalidade da experiência momentânea inserida na corrente contínua da vida psíquica”. É precisamente no cruzamento do transpessoal com a consciência que surgirá a realidade. Os conceitos de sincronicidade e de processo de individuação encorajam-nos a derrubar fronteiras entre subjectividade e objectividade, psique e matéria, causalidade e teleologia (finalidade do ser). Enquanto o físico trabalha com a matéria que se forma no cérebro, o psicólogo trabalha com realidades psíquicas que acredita condicionarem o conhecimento da realidade física. No fundo, ambos mergulham numa única realidade, visto que de ambas as partes existe um referencial de crenças do ponto de vista do self ou da supra-consciência : o Unus Mundum de Jung?
Na psicologia da consciência teríamos que falar de muita coisa: dos sonhos, da vigília, realidades intermutáveis, kundalini, transmigração da alma, estados modificados da consciência, tempo, identidade, ética, espiritualidade, evolução e expansão da consciência. O transpessoal é uma maturação do ser que depois de um percurso purificado faz evoluir o seu próximo, evoluindo com ele.
O campo mais explorado pelo psicólogo “pronto” e ciente da sua responsabilidade é a psicoterapia através da qual ele é testemunha da mudança do seu paciente, pois ele acompanha-o no seu caminho, facultando-lhe ferramentas para a sua evolução que lhe permitam a reestruturação vivencial. Tomando consciência no verdadeiro sentido da expressão ou seja, subindo graus na pirâmide do seu auto-conhecimento. Ele vivência toda a sua realidade, ele é o epicentro perfeito do universo, sintonia do homem com o cosmos, harmonia divina.
Não poderia acabar este humilde artigo sem fazer referência ao grande mestre Português em matéria de transpessoal, estou a falar do Dr. Mário Simões, psiquiatra, professor da Universidade Nova de Lisboa. O meu grande mestre Carl Gustav Jung, dissidente do Freud (com quem trabalhou num primeiro tempo) e grande teorizador do inconsciente colectivo, Ian Stevesson, psiquiatra americano, Pierre Weill, Seymour Boorstein entre outros psicoterapeutas e investigadores. Poderão também as pessoas interessadas visitar o site da ALUBRAT (associação Luso-Brasileira de Transpessoal). Espero ter desta forma dado o meu contributo para quem procura estar mais perto dos outros e do grande complexo do universo e quem sabe de dEUS.
Um óptimo teste para verificar se ficou alguma coisa de tudo que leram é responderem com honestidade a pergunta quem sou eu? Espero que a vossa resposta tenha sido diferente, antes de lerem esta crónica e agora. Será? Quem sou eu?

segunda-feira, abril 25, 2005

Democracia é...

... como um galinheiro onde todas as galinhas são livres e iguais assim como... as raposas.

sábado, abril 23, 2005

O que é a Filosofia?

A filosofia não cultiva dogmas, como a religião; a filosofia faz o contrário: procura destruir dogmas. Os cristãos, muçulmanos e hindus, partem do princípio de que existe Deus. A filosofia pergunta: mas que razões temos para pensar que existe Deus? E, admitindo que existe um deus sumamente bom e criador, omnisciente e omnipotente, como se explica a existência do mal? A filosofia faz as perguntas difíceis que muitas pessoas gostariam de calar, e que efectivamente têm muitas vezes conseguido calar ao longo da infeliz história humana. Podemos dizer, poeticamente, que a filosofia é um grito de liberdade contra a opressão do dogma. E nisto, uma vez mais, a filosofia é semelhante à ciência. O que distingue os problemas da filosofia dos problemas da ciência é o seu carácter conceptual, a sua generalidade e a inexistência de fronteiras precisas. Os problemas da matemática são também bastante gerais e em grande medida conceptuais - mas têm fronteiras muito precisas. Não se pode determinar matematicamente se os animais têm direitos; não se pode determinar matematicamente se Deus existe - e nem sequer se pode determinar matematicamente se os números existem independentemente de nós. Qualquer problema com suficiente generalidade, de carácter conceptual e para a solução do qual não exista qualquer ciência pode ser um problema filosófico. Os problemas da matemática têm fronteiras muito claras: têm de poder ser resolvidos pelos métodos formais da matemática. Em filosofia, pelo contrário, não há métodos formais para resolver problemas.
A filosofia é uma actividade crítica, que consiste na tentativa de compreensão sistemática dos nossos conceitos mais básicos. Conceitos como os seguintes: bem, arte, justiça, beleza, verdade, validade, igualdade, identidade, liberdade, existência, etc., etc. A filosofia não é a sua história. A filosofia interpela-nos a enfrentar os mesmos problemas que os grandes filósofos do passado enfrentaram; interpela-nos a pensar pela nossa própria cabeça. Um estudante sério de filosofia aprende a pensar pela sua própria cabeça, aprende a defender as suas opiniões com argumentos sólidos - não aprende a repetir de forma palavrosa o que disse Kant ou Hegel ou Aristóteles.
A atitude que reduz a filosofia a um jogo de palavras inconsequente, obscuro, palavroso e acrítico é uma traição ao projecto original da filosofia; é má filosofia. Acho que essa traição tem todo o direito de existir; mas acho que não tem o direito de procurar calar o projecto original da filosofia. Isso seria tão absurdo como ter os maus músicos a calar, nos conservatórios, os músicos de qualidade. Devemos ser tolerantes. Mas devemos dizer - cordialmente - que a pseudofilosofia não é a única alternativa que existe. Há outras formas de fazer filosofia; formas mais criativas, mais consequentes, mais claras e, sobretudo, mais críticas e menos palavrosas. A escolha deve ser livre e deve haver igualdade de oportunidades para todos.

sexta-feira, abril 22, 2005

As Bases da Sociedade

"Politicamente falando, não há mais do que um princípio - a soberania do homem sobre si mesmo. Essa soberania de mim e sobre mim chama-se Liberdade. Onde duas ou mais destas soberanias se associam principia o Estado. Nesta asssociação, porém, não se dá abdicação de qualidade nenhuma. Cada soberania concede certa quantidade de si mesma para formar o direito comum, quantidade que não é maior para uns do que para os outros. Esta identidade de concessão que cada um faz a todos chama-se Igualdade. O direito comum não é mais do que a protecção de todos dividida pelo direito de cada um. Esta protecção de todos sobre cada um chama-se Fraternidade. O ponto de intersecção de todas estas soberanias que se agregam chama-se Sociedade.
Ora, sendo essa intersecção uma junção, por consequência esse ponto é um nó. Daqui vem o que nós chamamos laço social. Dizem alguns «contrato social», o que vem a ser o mesmo, visto que a palavra contrato é etimologicamanete formada com a ideia de laço. Vejamos agora o que é a igualdade, pois se a liberdade é o cume, a igualdade é a base. A igualdade, cidadãos, não é o nivelamento de toda a vegetação; uma sociedade de grandes cânulas de erva e pequenos carvalhos; um tecido de invejas; é, civilmente, a admissão de todas as aptidões; politicamente, o mesmo peso para todos os votos."

Victor Hugo, in Os Miseráveis
Via O Ser e o Nada

Do Silêncio e da Treva

Labirinto

Sozinha caminhei no labirinto
Aproximei meu rosto do silêncio e da treva
Para buscar a luz dum dia limpo.


Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, abril 20, 2005

Certeza Interior

«Quem decide arrostar com o mar da vida tem de tornar-se um navegador; tem de aprender a defrontar-se com ventos e correntes, com leis e limites. Um Colombo não zomba das leis, alarga-as. Não se faz ao mar para alcançar um país imaginário. Descobre um mundo novo acidentalmente. E tais acidentes são os frutos legítimos do atrevimento; de um atrevimento que não é imprudência mas o produto de uma certeza interior.»

Henry Miller, O Tempo dos Assassinos
Ao Vitor, meu amigo.

terça-feira, abril 19, 2005

O Triunfo da Ignorância

As relações privadas entre os homens formam-se, parece, segundo o modelo do bottleneck industrial. Até na mais reduzida comunidade, o nível obedece ao do mais subalterno dos seus membros. Assim, quem na conversação fala de coisas fora do alcance de um só que seja comete uma falta de tacto. O diálogo limita-se, por motivos de humanidade, ao mais chão, ao mais monótono e banal, quando na presença de um só 'inumano'. Desde que o mundo emudeceu o homem, tem razão o incapaz de argumentar. Não necessita mais do que ser pertinaz no seu interesse e na sua condição para prevalecer. Basta que o outro, num vão esforço para estabelecer contacto, adopte um tom argumentativo ou panfletário para se transformar na parte mais débil.

Visto que o bottleneck não conhece nenhuma instância que vá além do factual, quando o pensamento e o discurso remetem forçosamente para semelhante instância, a inteligência torna-se ingenuidade, e isso até os imbecis entendem. A conjura pelo positivo actua como uma força gravitória, que tudo atrai para baixo. Mostra-se superior ao movimento que se lhe opõe, quando com ele já não entra em debate. O diferenciado que não quer passar inadvertido persiste numa atitude estrita de consideração para com todos os desconsiderados.
Estes já não precisam de sentir nenhuma intranquilidade da consciência. A debilidade espiritual, confirmada como princípio universal, surge como força de vida. O expediente formalisto-administrativo, a separação em compartimentos de tudo quanto pelo seu sentido é inseparável, a insistência fanática na opinião pessoal na ausência de qualquer fundamento, a prática, em suma, de reificar todo o traço da frustrada formação do eu, de se subtrair ao processo da experiência e de afirmar o 'sou assim' como algo definitivo, é suficiente para conquistar posições inexpugnáveis. Pode estar-se seguro do acordo dos outros, igualmente deformados, como da vantagem própria. Na cínica reivindicação do defeito pessoal pulsa a suspeita de que o espírito objectivo, no estádio actual, liquida o subjectivo. Estão down to earth, como os antepassados zoológicos, antes de se alçarem sobre as patas traseiras.

Theodore Adorno, in Minima Moralia
(Este post vai direitinho para aquele que eu e o E. Montenegro sabemos)

Espiritualismo

Do latim spiritualis ou spiritalis: «próprio à respiração», «espiritual».
Sentido comum é uma doutrina que consiste em afirmar que o espírito não se reduz à vida e/ou que a vida não se reduz à matéria (oposto ao materialismo). Na metafísica é uma teoria filosófica segundo a qual existem duas substâncias radicalmente distintas, o espírito e a natureza. A primeira é caracterizada pelo pensamento e pela liberdade, a segunda pela extensão e pelo movimento. Na moral, o espiritualismo, é uma teoria que defende que a vida humana admite os seus próprios fins (a justiça, a liberdade, etc) que não poderiam reduzir-se aos únicos interesses do vivo, podendo até mesmo ser levados a contradizê-los.

No seu sentido metafísico, o termo espiritualismo refere-se a uma longa tradição que vem de Anaxágoras (séc. V a.C.) e que se perpetua em toda a filosofia cartesiana (Descartes, Malebranche, Espinosa, Leibniz...). Para Anaxágoras, o espírito é o noús, ou seja, «a alma» ou «o sopro» fluido e movente, que se opõe à matéria, sólida e inerte. A filosofia idealista no seu conjunto admite, também ela, esta oposição categórica entre o espírito (princípio de unificação e de conhecimento) e a matéria (estendida e inerte) assim como a supremacia do primeiro.
O dualismo cartesiano radicaliza ainda esta oposição, mas reconhece a autonomia da matéria: esta última obedece às suas próprias leis (mecanismo) e, portanto, já não é totalmente subordinada ao espírito. Além disso, na obra de Descartes, a consciência deixa de ser um «sopro» ou uma «chama» para se tornar um princípio de conhecimento e de representação do universo inteiro.
A questão que será posta a seguir diz respeito às relações (dificilmente inteligíveis) entre duas substâncias consideradas como radicalmente estranhas uma à outra. No séc. XX, um debate muito animado continua a opôr os adeptos do materialismo e os adeptos de um espiritualismo metafísico renovado. Segundo Bergson (que representa esta segunda posição), o espírito não é um efeito do corpo, e a vida no geral é irredutível à matéria. Longe de ser a chave do funcionamento do espírito, o cérebro é só o instrumento e o suporte: é apenas "o conjunto dos dispositivos que permitem ao espírito responder à acção das coisas através de reacções motrizes [...] cuja exactidão assegura a perfeita inserção do espírito na realidade"*.
*
Henri Bergson, "A Alma e o Corpo" in A Energia Espiritual.

Materialismo

No seu sentido pejorativo, materialismo é a atitude ou a doutrina caracterizada por uma ligação aos bens materiais (riqueza, etc) e por uma ausência de ideal.
Na Filosofia, é uma teoria segundo a qual, a matéria é a única realidade existente (monismo), ou a matéria é a realidade fundamental a partir da qual se explica a vida espiritual (Marx, Freud, Nietzsche - chamados filósofos da suspeita). O materialismo opõe-se a idealismo.
A palavra «materialismo» é equívoca. Por um lado, é muitas vezes utilizada numa intenção polémica: ser «materialista», é ser acusado de explicar o «superior» (o espírito) pelo «inferior» (a matéria), ou então recusar Deus, a imortalidade da alma e, no geral, a religião. Materialismo pode ser neste sentido sinónimo de ateísmo. O termo adquire um valor positivo a partir do séc XVIII, acompanhando o desenvolvimento da crítica dos dogmas religiosos. Uma outra dificuldade resulta da diversidade dos conceitos da matéria própria das diferentes filosofias materialistas, desde o antigo atomismo até ao desenvolvimento da ciência moderna. Finalmente, em história e em sociologia, principalmente no seguimento de Marx, «materialismo» pode designar, não um sistema geral do mundo, mas um método de explicação dos comportamentos sociais a partir das estruturas materiais (económicas) da sociedade (materialismo histórico).

Materialismo Dialéctico
Concebido nos anos 30 na URSS, o materialismo dialéctico é a elaboração dogmática de certos princípios gerais da filosofia de Marx num sistema metafísico, explicando a globalidade dos processos da natureza e da sociedade através de leis «dialécticas» da matéria em movimento. esta filosofia oficial apoiou-se em determinados textos de Engels, principalmente na Dialéctica da Natureza.

Materialismo Histórico
Filosofia marxista da história, segundo a qual a arquitectura completa de uma sociedade, assim como as leis que presidem às suas transformações, explica-se pela natureza e pela evolução da sua estrutura económica. Os indivíduos agem então na história em função das forças sociais que as determinam, e não dos ideais e dos objectivos que fixam conscientemente.

Positivismo

O positivismo caracteriza-se pela atitude de confiança em relação aos métodos e aos resultados da ciência experimental. Por extensão, qualquer filosofia que privilegie o conhecimento científico deve combater a metafísica.

Esta atitude científica substitui por uma lei invencível do progresso do espírito humano, as crenças teológicas ou as explicações metafísicas. Ao tornar-se científico, o espírito renuncia à questão do «porquê?», ou seja, renuncia procurar a explicação absoluta das coisas. Limita-se ao «como?», ou seja, à formulação das leis da natureza, aproveitando, por intermédio de observações e de experiências repetidas, as relações constantes que unem os fenómenos.

O positivismo criou também a escola filosófica que se desenvolveu nos anos de 1920-1930 em Viena. O seu projecto consistia em basear a ciência numa linguagem inteiramente redutível a formulações de observações directas, e denunciar na metafísica um conjunto de proposições não significantes por serem experimentalmente inverificáveis (empirismo lógico).

Henri Bergson (Paris, 1859 - idem, 1941)

Filósofo e escritor francês. Esmeradamente educado, em 1900 é nomeado professor no Colégio de França, onde as suas aulas obtêm um êxito sem precedentes. Membro do Instituto de França desde 1901, ingressa na Academia Francesa em 1914. Em 1928 obtém o Prémio Nobel de Literatura. Morre durante a ocupação alemã de França após expressar a sua adesão moral ao catolicismo, apesar da sua origem judia.

Desfruta em vida de uma popularidade e de uma aceitação insólitas num pensador. A sua filosofia está em estreita relação com o positivismo do século XIX e com o espiritualismo francês, com os quais tenta elaborar uma original simbiose. Definitivamente, o que busca é uma superação do positivismo. Num clima positivista, de aparecimento da crítica científica, de polémica espiritualista, de neokantismo, tudo isso condicionado pelo auge da ciência, Bergson aborda o problema da relação sistemática do conhecimento científico e a metafísica. Para a superação do positivismo, Bergson apoia-se no positivismo evolucionista de Spencer. Esforça-se por transferir os princípios positivos para o campo das ciências humanas e da religião, valendo-se de um princípio de explicação de toda a realidade: a evolução.
A sua ideia básica é que a realidade é duração real. E o local em que se evidencia que a realidade é duração é a consciência, onde se unem a experiência e a intuição. A intuição é a alma da verdadeira experiência, o acto que nos coloca dentro das coisas; não um acto estático, mas uma actividade viva, a própria duração da realidade.

Para Bergson, o homem é capaz de superar o domínio da inteligência e de guardar o impulso criador, superando o nível estático da moral e da religião até transcender plenamente o élan vital, o impulso vital, que definitivamente, é de Deus, se não é o próprio Deus.

sábado, abril 16, 2005

Crash

Amigos, tive daqueles pequenos grandes problemas com o portátil.
Como sou uma criatura organizadíssima, não tinha nada, ou quase nada gravado em cd's. Sim, perdi tudo menos a dignidade (o amor próprio ainda está a voltar ao lugar), portanto àqueles com quem já troquei emails, só posso aguardar que tenham a bondade em fazê-lo novamente. Teria muito gosto em manter o contacto. :)

sexta-feira, abril 15, 2005

Escola Cultural

(..) O olhar original do Homem sobre si próprio – ao abrir, pela consciência, o desdobramento que faz dele dois – é axiológico. O eu vê-se e desgosta-se de si, por incoincidência de si com-sigo, pela desvalia de si que essa incoincidência manifesta e é. Escreveu Ortega, em Unas Lecciones de Metafisica: “Lo que hace más falta es ser”. O que ao Homem faz falta, e isso se revela no olhar de si para si, é ser: é ser ele próprio. Isso é o que o eu experiencia, ao ver-se no eu visto. O poeta-filósofo português Fernando Pessoa escreveu assim, numa quadra simples e quase popular:

“Brincava o menino
Com o carro de bois.
Sentiu-se brincando
E disse: eu sou dois”

Pois sou. Só que o segundo põe a nu que eu afinal não sou eu, que eu é algo, é alguém que tenho para ser e que tenho, no fim de contas, de ser, mas que não estou (ainda) a ser. Este é o imperativo categórico axiológico que retumba na consciência do Homem: tens de ser tu mesmo, plenamente; tenho de ser eu mesmo, plenamente; essa plenitude é a plenitude do valor que eu sou.
Assim, a actividade de aproximação a si mesmo que o eu desde logo empreende e é a Educação, é também o culto e a cultura de si mesmo, é também o crescimento de si em valor. E assim vão emergindo e crescendo os valores. Vão emergindo como os frutos nas árvores do pomar. Vão emergindo plurais e diversos, provindo todos da fonte de vida única que alimenta o pomar inteiro, árvore por árvore, como na humanidade acontece pessoa por pessoa, sendo aí a humanidade o pomar. (...)

Manuel Ferreira Patrício, Presidente da Direcção da AEPEC
(Se tiver mais tempo, leia o artigo todo sff.)

quinta-feira, abril 14, 2005

Educar - Uma questão de Ser

Até meados do século a educação referia-se a um período da vida, ao período escolar. Fazíamos um curso, na melhor das hipóteses um curso universitário, para "nos prepararmos para a vida". E depois de recebermos o diploma, considerávamo-nos preparados e íamos viver.
A existência humana dividia-se em duas partes, a da educação e a da vida. Hoje e a partir da evolução da segunda metade do século, sabemos que não é assim. Entendemos a educação como processo permanente da vida toda, desde que nascemos até que morremos, através das suas diferentes fases, de crianças, de jovens e de adultos.
Nesta perspectiva, o que é educar? Em primeiro lugar, não é ensinar. Ensinar é uma função importante, continua a ser importante, mas não é, de longe, a fundamental. Porque, em educação o essencial não é transmitir conhecimentos mas criar condições para que as pessoas cresçam, se desenvolvam, sejam, até se realizarem em plenitude. Educar, portanto, abarca imensamente mais do que ensinar. Não se trata de obter conhecimentos, mas de crescer em todas as dimensões da vida. Não é, portanto, uma questão de ter, de ter conhecimentos que se transmitem e se adquirem como nas transações de uma feira de trocas, que se vendem e se compram como numa grande superfície comercial, cuja propriedade se defende como acontece com os direitos de autor ou com as patentes. Não é objectivo de uma pedagogia bancária, mas de uma pegadogia problematizadora (Paulo Freire).
Educar é uma questão de Ser. E de crescer. A partir daquilo que recebemos pelo nascimento, (latim nascere, natum), do que somos por natureza, e das condições favoráveis que nos possam ser criadas, e através do desenvolvimento e do exercício de todas as nossas capacidades, crescer até atingirmos a plena realização como pessoa, como cidadão, como profissional.

José Ribeiro Dias, "A Educação na viragem do milénio: De Edgar Faure a Jacques Delors. Ensaio de enquadramento conceptual" in Educação: Caminho para o séc. XXI - Actas do I Colóquio de Filosofia da Educação.

quarta-feira, abril 13, 2005

What is the meaning of the rise in popularity of philosophy?

Where's Stephen?" asks Michael Lacewing, scouring the emptying hall. "Ah," he says, spotting his star speaker, "surrounded by six girls - as usual." It's six schoolgirls to be precise, but Lacewing is not trying to be sardonic.
Stephen Law may have huge teen appeal, but he has children of his own and the stage he has just vacated was used for nothing more lascivious than a talk to sixth formers, for Law is a university lecturer and author of two successful books of philosophy for younger readers, The Philosophy Files and The Outer Limits.
Law is but one public face of a remarkable increase in the popularity of philosophy among 16- to 18-year-olds. At the last sitting, 23% more students were answering questions about the theory of knowledge, Plato's Republic or Marx and Engels's The German Ideology in the intermediate philosophy AS examination than in the year be fore. At the same time, 19% more than in 2003 were writing about the philosophy of mind, Aristotle's Nichomachean Ethics or Nietzsche's Beyond Good and Evil for the final A2 exam.
What explains philosophy's increasing popularity? Lacewing is a university lecturer whose company, A-level Philosophy, organises conferences (which I sometimes speak at) for the growing number of students and teachers taking the subject. He thinks it's just a matter of supply catching up with demand. "The meaningful questions of life have always exercised the adolescent mind," he says. "What has changed is the opportunity to express that curiosity."
Graveney, a multi-ethnic comprehensive in Tooting, south London, is a case in point. Until three years ago, when the first 14 teenagers took the new AS course, philosophy wasn't even available. Now, the school has 56 students taking the subject, plus a further 52 taking a philosophy A-level by another name by studying critical thinking or by taking the philosophy of religion and ethics options in religious studies.
The head of philosophy at Graveney, Rebecca Woodhall, says that the subject is "seen as being intellectually macho". Her students confirm this. Sam Watson, who was first turned on to philosophy by The Matrix films, says, "I thought I wasn't being challenged enough before I took philosophy." Lisa Mellany enjoys it because "I really like arguing" and, as her friend Ruth Taylor says, "in philosophy your opinion's worth something".
The subject also has the unusual merit of being interesting for its own sake. "With some subjects you're learning things to write down in exams," says another Graveney student, Alex Crede. "But in philosophy what you're learning you actually find interesting, which makes a change." So
interesting that, as Jim Turner says, "you can leave a philosophy lesson talking about what you did".
These reactions would not surprise Anthony O'Hear, director of the Royal Institute of Philosophy. "I would be inclined to say that philosophy is perennially interesting to young people because it deals with questions many puzzle about in their youth, but which most forget about in the hubbub of adult life." The institute has helped to meet this demand by supplying visiting lecturers to schools, offering grants for conferences, and publishing a journal, Think, aimed at both school students and general readers, which Stephen Law edits.
The philosophy A-level is very different from the philosophy for children (P4C) programmes that have periodically grabbed the attention of the media. P4C is aimed at younger children, from primary school upwards, and centres on a process called "Socratic dialogue" rather than the texts and arguments of the western philosophical tradition. The aim of P4C is to develop critical thinking skills and the ability to discuss issues in groups. While the A-level shares these aims, it is also a pretty heavyweight introduction to the arguments of the greats, from Plato to John Rawls. There is no messing with gentler introductions such as Sophie's World or Alain de Botton.
For the AS examination, theory of knowledge, which deals with the fundamental questions of what knowledge is and whether we know anything at all, is compulsory. This is real, in-at-the-deep-end stuff. You may have no clue what the difference is between foundationalism and reliabilism, or what it means to say knowledge is justified true belief, but plenty of 17-year-olds are perfectly conversant with these ideas, even if it is the part of the course they tend to enjoy the least.
In addition, students choose between moral philosophy and the philosophy of religion, options that tend to fire their enthusiasm because they relate to questions every curious and intelligent teenager asks: Is there a God? Why should I be good? Should I eat meat? They also study a classic text by Plato, Descartes, Marx and Engels, or Sartre.
At A2 level, they will move on to the philosophy of mind, political philosophy or the philosophy of science; study another text by Aristotle, Hume, Mill, Nietzsche, Russell or Ayer; and undertake an extended synoptic essay, in which they draw together related threads of the course according to their own interests.
For those hidden philosophy students who are nominally taking religious studies but in reality are focusing entirely on studying ethics and the philosophy of religion, the syllabus is just as demanding, though perhaps more accessible, due to the absence of the set texts and the theory of knowledge. Issues such as the ethics of abortion, euthanasia and animal rights are guaranteed to spark interest among the students. They also grapple with the arguments for the existence of God and the problem of how a benevolent deity could allow needless suffering, such as that caused by the Asian tsunami.
The interest of sixth formers is being sustained through to the point at which they apply to university. Data from the Universities and Colleges Admissions Service shows that overall applications to philosophy degrees rose by 20% between 2000 and 2003, the last year for which admissions data is available, compared with a 7.8% rise for applications in general. Between 2002 and 2003, philosophy applications went up by 15.5%, compared with 3.3% for all subjects.
Brendan Larvor, head of philosophy at the University of Hertfordshire, says he is seeing "more and more students who have done philosophy A-level" among applicants. He sees this as a welcome development, because "most other philosophy undergraduates spend the first year wondering what philosophy is and whether they like it".

Julian Baggini, editor of The Philosopher's Magazine
Tuesday April 5, 2005 in The Guardian

terça-feira, abril 12, 2005

De Olhos Abertos...

"Contudo, nem sempre as coisas são tão más como aparentam ser e não é justo catalogar as pessoas com determinadas instabilidades emocionais como sendo não normais e necessitarem automaticamente de tratamento psicológico, psiquiátrico (...) Às vezes uma conversa ajustada, (...) podem ser mais eficazes do que horas e horas a remexer num passado enterrado. É para isso que serve o Aconselhamento Filosófico."

Amândio Fontoura e Conceição Sampaio
são os autores do 1º Livro em Português sobre
Aconselhamento Filosófico, intitulado De olhos abertos... para uma Filosofia de Bem-Estar, Editora Hugin, 2004.

sábado, abril 09, 2005

Investigação

Parece assim que as nossas convicções ou «opiniões filosóficas» não têm tempo para entrar longamente em diálogo com os grandes génios da tradição filosófica, em virtude da urgência das decisões concretas que a vida nos impõe. Mas o dilema que resulta desta situação volta a colocar-nos perante novos problemas. Ou temos que atrasar indefinidamente, por assim dizer até ao fim da vida, a tomada de posição sobre as grandes ideias que não só nos fazem compreender a existência, mas nos permitem orientá-la e vivê-la, ou devemos a seu respeito decidir-nos numa meia obscuridade, sem verdadeiro conhecimento de causa e sem um processo suficientemente instruído.
No primeiro caso, transforma-nos-íamos pouco a pouco em boas cabeças pensantes, mas paralelamente a nossa existência vivida desenvolver-se-ía muitas vezes de modo não filosófico, como que à margem do trabalho filosófico. No segundo caso, a exigência do filósofo aproximar-se-ía da do homem comum, para o qual as opiniões existenciais - isto é, as convicções em função das quais a vida concreta se orienta diariamente - se formam sob o impacto de elementos menos racionais do que afectivos ou empíricos.
O prolongamento destas considerações de ordem geral leva-nos a compreender que esta alternativa, que não tem nada de fictício apresenta uma saída aceitável. É o devir temporal e progressivo do homem, do filósofo, no seu vaivém entre a existência vivida e o pensamento. Um verdadeiro caminho de pensamento nunca se traça de modo puramente solitário, sem o diálogo com o pensamento de outros, nem nunca totalmente à maneira de fiel copista e comentador. Quanto a este diálogo com as filosofias que nos precederam ou que nos acompanham, é preciso acrescentar que cada um de nós entra nele na medida das suas possibilidades. É precisamente aqui que é válido o adágio escolástico «quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur». Diremos que esta resposta é a do bom senso, em função da qual aparece a dupla conotação utópica dos dois modos da alternativa apresentada. É efectivamente utópico pensar que se possa filosoficamente esperar até ao fim da sua vida para tomar uma decisão acerca dos valores em causa na própria existência. Mas também é utópico julgar que, no caso da filosofia, esta decisão possa ser tomada irracionalmente ou pseudo-racionalmente, sem um sério confronto com o pensamento filosófico anterior.

Michel Renaud in "O Ponto de Partida das Meditações Cartesianas de Husserl", Revista Portuguesa de Filosofia, tomo 40, Actas do II Colóquio Português de Fenomenologia, 1985 [4], 198 pp.

sexta-feira, abril 08, 2005

Inteligência Espiritual

O QEs é uma capacidade tão antiga como a Humanidade, mas o conceito só foi totalmente desenvolvido pela primeira vez neste livro. Até agora a ciência e a psicologia científica têm tido dificuldades em discutir o sentido e o seu papel nas nossas vidas. A inteligência espiritual tem sido uma coisa estranha para os académicos porque a ciência existente não está equipada para estudar coisas que não possam ser medidas objectivamente.

Existem na verdade provas cientificas do QEs nos recentes estudos neurológicos, psicológicos e antropológicos da inteligência humana. Os cientistas já fizeram a maior parte da investigação básica que revela as fundações neurais do QEs, mas o paradigma do QI dominante obscureceu as investigações posteriores. Este livro irá reunir quatro correntes de investigação especifica que até agora permaneceram separadas devido à natureza altamente especializada da ciência existente.

Primeiro, no início dos anos 90, a investigação levada a cabo pelo neuropsicólogo Michael Persinger, e mais recentemente, em 1997, pelo neurologista V.S.Ramachadran e a sua equipa da Universidade da Califórnia, sobre a existência de uma "área de deus" no cerebro humano. Este centro espiritual incorporado situa-se entre as ligações neurais nos lobos temporais do cérebro. Em scans tirados com topografia através da emissão de positrões, essas áreas neurais iluminam-se sempre que os sujeitos a investigação são expostos a discussões sobre temas espirituais ou religiosos.

Segundo, o trabalho do neurologista austríaco Wolf Singer, nos anos 90, sobre o "problema da ligação", mostra que há no cérebro um processo neural com vista a unificar e dar sentido à nossa experiência - um processo neural que literalmente "liga" as nossas experiências. Antes do trabalho de Singer sobre a unificação e oscilações neurais síncronas em todo o cérebro, os neurologistas e cientistas cognitivos só reconheciam duas formas de organização cerebral neural.
Uma destas formas, as ligações neurais em série, é a base do nosso QI. Os tractos neurais ligados em série permitem que o cérebro siga regras, que pense lógica e racionalmete, passo a passo. Na segunda forma, a rede de organização neural, feixes de mais de cem mil neurónios estão ligados de uma forma acidental a outros feixes maciços. Estas redes são a base do QE, a nossa inteligência ligada à emoção, que reconhece padrões e constrói hábitos.....O trabalho de Singer sobre as oscilações neurais unificadoras oferece a primeira sugestão de uma terceira espécie de pensamento, de um pensamento unificador, acompanhado de um terceiro modo de inteligência, o QEs, que pode lidar com estas questões.

Terceiro, na sequência do trabalho de Singer, o trabalho de Rodolfo Llinas, em meados de 90, sobre o sono e a consciência desperta e a ligação dos factos cognitivos no cérebro, foi muito favorecido pela nova tecnologia MEG (magno-encefalográfica), permitindo estudos em todo o crânio dos campos eléctricos oscilantes do cérebro e dos seus campos magnéticos associados.

Quarto, o neurologista e biólogo antropólogo Terrance Deacon publicou recentemente novos trabalhos sobre as origens da linguagem humana (The Symbolic Species, 1997). Deacon mostra que a linguagem é uma actividade unicamente humana, essencialmente simbólica e centrado no sentido que co-evoluiu com rápido desenvolvimento nos lobos frontais do cérebro. Nem os computadores existentes, nem sequer os macacos mais evoluídos (com raras e limitadas excepções) conseguem usar a linguagem, porque lhes falta a capacidade do lobo frontal para lidar com o sentido. Este livro irá mostrar que todo o programa de investigação de Deacon para a evolução da imaginação simbólica e o seu consequente papel no cérebro e evolução social corrobora a faculdade da inteligência a que chamamos QEs.

Danah Zohar e Ian Marshall in Inteligência Espiritual

Leitura sugerida pela Beatriz, à qual agradeço muito :)

quinta-feira, abril 07, 2005

«Fundamentos para uma Reflexão Ética em Merleau-Ponty»

Para quem goste de Merleau-Ponty e de António Damásio, deve consultar um excelente artigo do Dr. Jorge Dias aqui e ler outros igualmente interessantes na Metacrítica.

"A distinção entre doenças do cérebro e da mente, entre problemas neurológicos e psicológicos ou psiquiátricos, é uma herança cultural infeliz que penetra na sociedade e na medicina e reflecte uma ignorância básica entre o cérebro e a mente. As doenças do cérebro são vistas como tragédias a quem não se pode atribuir culpas, enquanto que as doenças da mente, no comportamento e nas emoções, são vistas como inconveniências sociais nas quais os doentes têm muitas responsabilidades. Aqui, a falta de força de vontade é o problema primário".
Cfr. António Damásio, O Erro de Descartes, p.60.

segunda-feira, abril 04, 2005

Psitacismo

1. Perturbação psiquíca que consiste em repetir as palavras sem ter em mente as idéias por elas representadas.
2. Palavreado inútil verborréia
3. Processo de aprendizagem por memorização apenas.