sexta-feira, abril 15, 2005

Escola Cultural

(..) O olhar original do Homem sobre si próprio – ao abrir, pela consciência, o desdobramento que faz dele dois – é axiológico. O eu vê-se e desgosta-se de si, por incoincidência de si com-sigo, pela desvalia de si que essa incoincidência manifesta e é. Escreveu Ortega, em Unas Lecciones de Metafisica: “Lo que hace más falta es ser”. O que ao Homem faz falta, e isso se revela no olhar de si para si, é ser: é ser ele próprio. Isso é o que o eu experiencia, ao ver-se no eu visto. O poeta-filósofo português Fernando Pessoa escreveu assim, numa quadra simples e quase popular:

“Brincava o menino
Com o carro de bois.
Sentiu-se brincando
E disse: eu sou dois”

Pois sou. Só que o segundo põe a nu que eu afinal não sou eu, que eu é algo, é alguém que tenho para ser e que tenho, no fim de contas, de ser, mas que não estou (ainda) a ser. Este é o imperativo categórico axiológico que retumba na consciência do Homem: tens de ser tu mesmo, plenamente; tenho de ser eu mesmo, plenamente; essa plenitude é a plenitude do valor que eu sou.
Assim, a actividade de aproximação a si mesmo que o eu desde logo empreende e é a Educação, é também o culto e a cultura de si mesmo, é também o crescimento de si em valor. E assim vão emergindo e crescendo os valores. Vão emergindo como os frutos nas árvores do pomar. Vão emergindo plurais e diversos, provindo todos da fonte de vida única que alimenta o pomar inteiro, árvore por árvore, como na humanidade acontece pessoa por pessoa, sendo aí a humanidade o pomar. (...)

Manuel Ferreira Patrício, Presidente da Direcção da AEPEC
(Se tiver mais tempo, leia o artigo todo sff.)

9 comentários:

Anónimo disse...

Bom artigo, este. É um dos assuntos que mais me preocupa, no bom sentido. Acrescentaria ao Eu o Eu Sou. Jung explicava cabalmente esta dialéctica de que se fala no texto. Os dois não são mais do que o consciente e o inconsciente num. Urge religá-los. A quadra do Fernandinho tem muito esoterismo oculto na simplicidade. Beijos Rosa.

Miguel Pinto disse...

A escola cultural pensada pelo prof. Patrício ainda não definhou!

RD disse...

Miguel, a meu ver ainda faz bastante sentido ou cada vez mais sentido, melhor dizendo. E bem espremida (o que ainda não tive oportunidade de fazer) ainda mais sentido fará certamente. Conheço apenas os autores em que Patrício se baseou e chamo a atenção para a actualidade dos seus pensamentos. Não se entende bem MFP sem se conhecer um pouco dos outros.
Bjinhos.

RD disse...

Vasco, acho que o Fernandinho sabia muito mais do que pensava, daí ter tido a fabulástica ideia dos heterónimos para se exprimir melhor (à parte de qualquer esquizofreniazita).
Sim, urge religá-los. Mas creio que se há povo com mais dificuldade para o fazer, será o nosso. A maioria dos nossos poetas/pensadores/filósofos portugueses, cairam no abismo entre o real e o ideal deixando a meio um fosso por preencher - o presente. Salvo raras excepções, ficámo-nos por uma dualidade dolorosa e preenchida pela ausência de sentido.

RD disse...

MP, já li sobre a tal pirâmide. ;)

«« disse...

Aí está um bom caminho para a escola de hoje, julgo que só precisamos de a operacionalizá-la de forma concreta....é porque vejo muita gente a dizer que "a nossa escola faz tudo isso, só não está escrito"...e acredito que é por isso e por outros que o movomento da escola cultural falhou antes de ser testado com rigor.

RD disse...

É o costume. O Miguel sabe de alguma coisa que funcione bem em Portugal?

Bem Vindo!!!

Anónimo disse...

descobrir a génese do "eu" é certamente o sentido deste plano em que vivemos, um sentido sem resposta mas com aplicação prática no dia presente (como dizes rosa)... talvez tudo isto, e isto é muito, é vida, seja apenas o amor.

ps. não me arrependo nada de ter entrado nesta coisa das bloguices... tenho crescido imenso graças a ti e a uma quantidade de pessoas fabulosas que melhoram de alguma maneira a minha vida.

beijo grande

RD disse...

Amigo, também eu... também eu.*****