sábado, dezembro 04, 2004

A educação entre a natureza e a cultura

Educação é uma palavra que encontra a sua raiz etimológica no latim, em educere que significa conduzir “fora de” mas vem também de outro verbo educare que quer dizer “alimentar”, “cuidar”. Educar é pois acompanhar um percurso que implica uma dinâmica transitiva.
Educar possui uma pluralidade de sinónimos, mas os três principais são criar, ensinar e formar.
Criar refere-se à educação em sentido restrito; no essencial, coincide com a família. Trata-se de uma educação espontânea; uma mãe que acaricia o seu bebé educa-o e desenvolve aptidão para o bebé comunicar. No entanto, a ternura de mãe é educativa sem o saber. Ensinar, designa, pelo contrário, uma educação intencional; é uma actividade que se exerce numa instituição assegurada por profissionais.
Deste modo, podemos constatar que criar e ensinar são actividades diferentes e, por vezes, exclusivas. Podemos dar o exemplo dos pais que mesmo instruídos, são pouco capazes de instruir os filhos, porque são sempre demasiado impacientes e ansiosos. Por outro lado, um professor não é um pai, o seu papel é apenas fazer aprender algo.
Formar é um termo por vezes polémico. Seja ela técnica, militar, profissional, desportiva é sempre a preparação do indivíduo para tal função social. O objecto da formação é a função social, é o futuro empregado ou o futuro médico que importa.
De qualquer forma, criar, ensinar, formar que são aparentemente sinónimos, têm entre si relações de exclusão. Aprende-se a mesma coisa nos três casos, mas não da mesma forma. Por exemplo, uma língua estrangeira na família aprende-se espontânea e globalmente, pela conversação. Na escola ensina-se recorrendo a um programa, métodos, técnicas e professores. Na formação também mas de espírito inteiramente diverso: não se formam intérpretes ou se ensina o inglês comercial como se ensina inglês no liceu. Assim, um professor que ensina a traduzir o melhor e o mais depressa possível faz formação profissional e, por outro lado, professor que mostra que há várias traduções possíveis e que leva o tempo que for necessário para encontrar a melhor, ensina.
Assim, é necessário unir estes três tipos de ideais: criar, ensinar e formar.
A educação é um processo de integração de um indivíduo no seio de uma cultura. A cultura exige um ideal de transmissão, de continuidade. A educação é essa transmissão de um património cultural. É um ensinar e um receber de um modo de estar no mundo, um conjunto de crenças, de saberes, de valores, de técnicas, de preceitos morais e jurídicos, de costumes.
Deste modo, tudo o que o homem conquistou é cultural, ou seja, transmite-se pela educação. Tudo o que torna o homem humano, tal como a linguagem, o pensamento, os sentimentos, o homem tem-no porque aprendeu.
A antropologia afirma que o homem é um ser inacabado. Deve, portanto, ao contrário dos outros animais aprender tudo. Mas, este inacabamento do homem é também a sua grandeza; enquanto que o animal é o que é desde o seu nascimento ou se forma naturalmente pela maturação, a criança deve tornar-se o que deve ser. A criança vai infinitamente mais longe que o animal. Importa aqui falar no caso das «crianças selvagens» que ignoram o uso das mãos, o sorrir, não distinguem uma imagem em relevo de um objecto, não se reconhecem ao espelho, etc. Mas é possível educar, mais ou menos, as crianças selvagens ao passo que ninguém poderia ensinar a linguagem, as técnicas ou a moralidade a um animal. Deste modo, podemos dizer que há uma natureza humana universal, que consiste na possibilidade de aprender. O conceito de natureza humana é muito importante pois pretende mostrar que em educação nem tudo é possível, que o educador encontra uma resistência que não pode ignorar nem forçar sem arruinar a educação.
Esta resistência é, em primeiro lugar, a da natureza psicológica da criança. Vários autores como Piaget, Freud, Wallon mostram que a criança passa necessariamente por estádios, e que o educador não pode omitir. Daí que Rousseau preconizava, até à idade dos doze anos, uma «educação negativa» cujo papel não é apressar o crescimento mas preservá-lo, não instruir a criança, mas prepará-la para se instruir.
A natureza é também o carácter próprio de cada criança, a sua maneira de agir, de sentir e de aprender. Educar não é fabricar adultos segundo um modelo, é libertar em cada homem o que o impede de ser ele mesmo.
Educa-se e forma-se o homem de acordo com a concepção que se tem da sua natureza e dos valores que o devem orientar. A educação é, assim, o conjunto dos processos e de procedimentos que permitam a qualquer criança aceder progressivamente à cultura, pois o acesso à cultura é que permite distinguir o homem do animal.
Em suma: A necessidade de ser educado é universal porque ela é inerente ao homem. A natureza humana é o que exige ser educado.

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