terça-feira, abril 19, 2005

Espiritualismo

Do latim spiritualis ou spiritalis: «próprio à respiração», «espiritual».
Sentido comum é uma doutrina que consiste em afirmar que o espírito não se reduz à vida e/ou que a vida não se reduz à matéria (oposto ao materialismo). Na metafísica é uma teoria filosófica segundo a qual existem duas substâncias radicalmente distintas, o espírito e a natureza. A primeira é caracterizada pelo pensamento e pela liberdade, a segunda pela extensão e pelo movimento. Na moral, o espiritualismo, é uma teoria que defende que a vida humana admite os seus próprios fins (a justiça, a liberdade, etc) que não poderiam reduzir-se aos únicos interesses do vivo, podendo até mesmo ser levados a contradizê-los.

No seu sentido metafísico, o termo espiritualismo refere-se a uma longa tradição que vem de Anaxágoras (séc. V a.C.) e que se perpetua em toda a filosofia cartesiana (Descartes, Malebranche, Espinosa, Leibniz...). Para Anaxágoras, o espírito é o noús, ou seja, «a alma» ou «o sopro» fluido e movente, que se opõe à matéria, sólida e inerte. A filosofia idealista no seu conjunto admite, também ela, esta oposição categórica entre o espírito (princípio de unificação e de conhecimento) e a matéria (estendida e inerte) assim como a supremacia do primeiro.
O dualismo cartesiano radicaliza ainda esta oposição, mas reconhece a autonomia da matéria: esta última obedece às suas próprias leis (mecanismo) e, portanto, já não é totalmente subordinada ao espírito. Além disso, na obra de Descartes, a consciência deixa de ser um «sopro» ou uma «chama» para se tornar um princípio de conhecimento e de representação do universo inteiro.
A questão que será posta a seguir diz respeito às relações (dificilmente inteligíveis) entre duas substâncias consideradas como radicalmente estranhas uma à outra. No séc. XX, um debate muito animado continua a opôr os adeptos do materialismo e os adeptos de um espiritualismo metafísico renovado. Segundo Bergson (que representa esta segunda posição), o espírito não é um efeito do corpo, e a vida no geral é irredutível à matéria. Longe de ser a chave do funcionamento do espírito, o cérebro é só o instrumento e o suporte: é apenas "o conjunto dos dispositivos que permitem ao espírito responder à acção das coisas através de reacções motrizes [...] cuja exactidão assegura a perfeita inserção do espírito na realidade"*.
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Henri Bergson, "A Alma e o Corpo" in A Energia Espiritual.

2 comentários:

Anónimo disse...

Estou a começar a ficar fã do Bergson... Bom resumo do confronto filosófico entre positivistas e espiritualistas ao longo dos séculos. Mais do que todos os ismos e a demonstração impossível de algo que não se pode concretizar nos mesmos moldes do que é empiricamente demonstrável, interessa-me saber se o Homem tem ou não bom carácter, se é ou não um ser moral. O racionalismo não é de todo, na minha opinião, antagónico à espiritualidade. Precisamos, como é evidente, de analisar o mundo através de uma perspectiva racional e científica. O resto é variável consoante os diferentes graus de percepção. Bom post Rosa. Beijinhos.

RD disse...

Pois, nem mais, era o que estava a pensar num comentário abaixo. Eu não sou indiferente à ciência de forma alguma, considero-a e tento ir mais além. Usar a razão é o máximo que podemos fazer porque temos necessidade de explicar as coisas duma forma que faça sentido. Mas uma coisa não exclui outra, de forma alguma!
Seres morais todos somos, a acção é irredutível ao homem.