quarta-feira, maio 04, 2005

Os 7 Sábios e o Orfismo

Em continuação do post abaixo, da Poesia e Tragédia, temos os 7 Sábios que são o ideal de sabedoria que se exprime em normas de bem viver. Recordo que estamos a falar do período pré-socrático, onde ainda não haviam, digamos assim, «instituídas» quaisquer disciplinas.
Os temas dos 7 sábios eram as normas políticas e morais. Estes sábios não são conhecidos com certezas, mas sabe-se que Tales e Solon são 2 deles.
Os sábios, possuidores de sabedoria, colocam-se numa dimensão teórico-práctica. Um conhecimento teórico só não terá grande utilidade se não aplicado à prática, e a sabedoria destes sábios é teórico-prática, como já se mencionou, ou seja, exprime-se em normas de bem viver, que, por sua vez, se exprimem quer a nível social quer individual. Há uma indissociabilidade entre normas políticas e morais. Não se pode separar uma da outra porque o indivíduo está na/ou pertence à sociedade. Não há para os gregos possibilidades do indivíduo viver fora da sua comunidade - da que nasceu e está inserido.
O Orfismo é uma corrente que alude à intensificação da espiritualidade e da interioridade. Os temas são a norma expressa e a obrigação de prestar contas da sua vida. Esta teoria do orfismo teve um grande impacto em Platão e caracteriza-se pela reencarnação da alma (teoria da reminescência). O corpo vive vidas, mas reencarnando em almas. A alma (psiké) é o que dá vida, é o que está no corpo.
Deus cria o homem assoprando-lhe nas narinas e assim o homem ganha vida, a alma é aqui princípio vital apenas (Génesis). Para os gregos, no orfismo, a alma não é apenas princípio vital, é também um processo que pode libertar a alma da rotatividade de incarnações - o caso do filósofo, que é aquele que possui a verdadeira sabedoria, que aplica o que sabe à vida. O filósofo é aquele que melhor conhece o Bem e é aquele que melhor o pratica. É o único que se pode libertar do ciclo sucessivo de reencarnação, que no fundo é a perfectibilidade da alma do homem. O homem vive muitas vidas pelas reencarnações para chegar à perfeição e se libertar da vida terrena. Uma alma que se esforça muito tem o «direito» de reencarnar num corpo melhor numa outra vida.

Portanto, como já se leu abaixo, a norma na poesia é exemplificada, nas tragédias é deliberada porque já é reflectida, nos 7 sábios é percebida na dimensão individual e social e no orfismo é francamente percebida na medida em que o homem, como também já se disse, «presta contas da sua vida».
Somos o resultado do nosso agir, o homem percebe isso, tem já consciência da sua perfectibilização e descobre a filosofia moral, depois do orfismo e antes de Aristóteles.

8 comentários:

RD disse...

Por favor o que não entenderem digam. Não sei se fui clara a situar-vos e se não me perguntam dificilmente chegamos lá juntos e a mensagem perde-se :)*

Anónimo disse...

Rosa, quando escreves que a norma na poesia é exemplificada, estás com certeza a referir-te a um processo de intuição ou não? E no Orfismo, o 'presta contas da sua vida' refere-se à auto-análise, à supraconsciência que o filósofo tem de si e do que o rodeia, comportando-se como o seu próprio legislador e Juíz? Gostei deste texto. Muito reflexivo. Beijinhos.

RD disse...

Vasco, na poesia a norma é retratada. É o princípio da semi tomada de consciência da humanidade, é, diria eu numa linguagem comum, um desflorar da consciência mas ainda inconscientemente. Há uma necessidade de se relatar o que há. Antes só haviam explicações, também por mitos, porque não havia ciência que explicasse e que permitisse ao homem racionalizar. Se reparares, não sei se já leste a Elíada e a Odisseia de Homero, não há nos relatos qualquer ponta de moralidade. Na Íliada é a história da guerra contada friamente à reporter X. Ausente de sentimento. Na Odisseia já há mais qualquer coisita mas ainda a um nível precário e que só filólogos e filósofos especializados na obra detectarão.
Na poesia já há o cuidado de relatar com heroicidade, exaltam-se os feitos duma forma que serve para a população aprender e perceber a relação entre os deuses e os homens mas ainda condicionados fortemente ao destino. É didáctico. :)
Mas é isto que importa aqui, o facto do homem pensar que depende do destino e da vontade dos deuses torna-o incapaz de deliberar voluntáriamente. Só a partir do orfismo, quando se fala no «dar provas da sua vida», é que o homem começa a perceber a capacidade de alterar o seu destino. Entendes-me?
Sim, na poesia poderá haver uma intuição mas não como a que conhecemos, é uma intuição ingénua, mais uma necessidade de mostrar do que propriamente a de ter consciência de si. No orfismo há sem dúvida os primeiros resquícios de consciência, da tomada de conhecimento do seu agir, mas Vasco ainda muito longe de ser o seu próprio legislador e juíz. Isso amigo, só acontece depois da crise da razão no século XIX e ainda vamos entre o séc. X e V a.C. :)
O próximo post virá nessa sequência por isso não me vou antecipar para já. :)

RD disse...

Imagina um mundo sem explicação científica. Imagina estes homens a apanharem com as intempéries da Natureza o que não teriam pensado? Para nós um raio seguido do barulho do trovão é óbvio, sabemos que há uma explicação física para o fenómeno, sabemos a origem dos maremotos e dos terramotos, sabemos tanto. Eles não. Eles pensavam depender dos deuses e que esses fenómenos seriam reflexo das suas raivas. E por aí em diante.
Aos poucos é que se foram humanizando, questionando, percebendo, analisando, experimentando e explicando... até saberem e nos darem as bases a nós de tudo o que sabemos. :)

Anónimo disse...

para que saibas que li mas não tenho comentários a fazer... um agradecimento apenas

Anónimo disse...

Não sou filósofo, estou no estágio anterior, sou religioso, ainda não me livrei de Deus. Pergunto: Que sentido faz a reencarnação se não houver Deus?

Anónimo disse...

Deus cria o homem assoprando-lhe nas narinas e assim o homem ganha vida, a alma é aqui princípio vital apenas (Génesis). -

7 And the LORD 3068 God 430 formed 3335 (853) man120 of the dust 6083 of 4480 the ground,127 and breathed 5301 into his nostrils 639 the breath 5397 of life;2416 and man 120 became 1961 a living 2416 soul.5315

H5397
נשׁמה
neshâmâh
nesh-aw-maw'
From H5395; a puff, that is, wind, angry or vital breath, divine inspiration, intellect or (concretely) an animal: - blast, (that) breath (-eth), inspiration, soul, spirit.
“Fôlego de vida.” Hebr.: nish·máth (de nesha·máh) hhai·yím.


H2416
חי
chay
khah'ee
From H2421; alive; hence raw (flesh); fresh (plant, water, year), strong; also (as noun, especially in the feminine singular and masculine plural) life (or living thing), whether literally or figuratively: - + age, alive, appetite, (wild) beast, company, congregation, life (-time), live (-ly), living (creature, thing), maintenance, + merry, multitude, + (be) old, quick, raw, running, springing, troop.

H5315
נפשׁ
nephesh
neh'-fesh
From H5314; properly a breathing creature, that is, animal or (abstractly) vitality; used very widely in a literal, accommodated or figurative sense (bodily or mental): - any, appetite, beast, body, breath, creature, X dead (-ly), desire, X [dis-] contented, X fish, ghost, + greedy, he, heart (-y), (hath, X jeopardy of) life (X in jeopardy), lust, man, me, mind, mortality, one, own, person, pleasure, (her-, him-, my-, thy-) self, them (your) -selves, + slay, soul, + tablet, they, thing, (X she) will, X would have it.

“Uma alma vivente [criatura que respira].” Hebr.: lené·fesh hhai·yáh; gr.: ????? ????? (psy·khén zó·san, “alma vivente”); lat.: á·ni·mam vi·vén·tem. Veja Gên.1:20, 21, 30; 1Co 15:45

Leio alma = Pessoa inteira, não uma parte dela.

Anónimo disse...

samykas,
obrigado pela sua participação!
ainda bem que se interessa.
eu sou cristã e acredito em Deus, esta explicação acima é a do aparecimento da razão, de como fomos evoluindo até começarmos a pensar por nós mesmos, apenas isso.
A verdade é que não tendo evoluido, o home ainda acreditava que um raio era manifestação de Deus. entende?
eu vejo a dualidade corpo/alma como inexistente, mas a religião católica acredita nessa dualidade. apenas as religiões orientais acreditam em unidade. nós apenas a partit do existencialismo começámos a acreditar na unidade e não é bem aceite por toda a igreja.
mais uma coisa, não há patamares de estágios entre nós, o filósofo mais sábio também pode ser católico/cristão tal como qualquer um pode ser filósofo. :)
até breve!
Rosa