terça-feira, maio 31, 2005

Paul Ricoeur (1913-2005)

Paul Ricoeur é um dos mais importantes filósofos da segunda metade do século XX. Foi professor na Universidade de Estrasburgo, Sorbone, Nanterre, Lovaina e na Universidade de Chicago. Estabeleceu uma ligação entre a fenomenologia e a análise contemporânea da linguagem através da teoria da metáfora, do mito e do modelo científico.

Obras do autor
Karl Jaspers e a Filosofia da Existência
, em colab. com M.Dufrenne (1947);
A Filosofia da Vontade I.
O Voluntário e o Involuntário (1950);
História e Verdade (1955);
Husserl: uma análise da sua fenomenologia (1967);
Filosofia da Vontade II.
Finitude e Culpabilidade: 1. O homem falível. 2. A simbólica do Mal (1969);
Da Interpretação.
Ensaio sobre Freud (1965);
Ensaios Políticos e Sociais (1974);
O conflito das Interpretações: Ensaios de Hermenêutica (1969);
Metáfora Viva (1975);
Teoria da Interpretação: O Discurso e o Excesso de Sentido (1976);
Leituras I
À volta da Política. (1991).
Do Texto à Acção, Porto, Rés-Editora, 1991
Da Metafísica à Moral, Lisboa, Instituto Piaget, 1997
O Discurso da Acção, Lisboa, Edições 70, 1988
Teoria da Interpretação, Lisboa, Edições 70, 1987
O Justo ou a Essência da Justiça, Lisboa, Instituto Piaget, 1997
Ideologia e Utopia, Lisboa, Edições 70, 1991
A Crítica e a Convicção, Lisboa, Edições 70, 1997
Sujeito e Ética, Braga, APPACDM, 1996
Outramente, São Paulo, Vozes.

Obras sobre o autor
Azevedo e Castro, Gabriela Maria - Imaginação em Paul Ricoeur, Lisboa, Instituto Piaget, 2003
Abel, Glivier, Paul Ricoeur - As Fronteiras da Filosofia, Lisboa, Instituto Piaget, 1988
Costa, Miguel Dias da, Sobre a Teoria da Interpretação de Paul Ricoeur, Porto, Contraponto, 1995
Heleno, José Manuel, Hermenêutica e Ontologia em Paul Ricoeur, Lisboa, Instituto Piaget, 2001
Gomes, Isabel, Dossier Sobre Paul Ricoeur-Dossier de Filosofia, Porto, Porto Editora, 1999
Hahn, Lewis Edwin, A Filosofia de Paul Ricoeur, Lisboa, Instituto Piaget, 2000
Silva, Carrera F., Hermenêutica do Conflito de Paul Ricoeur, Lisboa, Edições Minerva, 1992
Vários, Paul Ricoeur, Braga, FFB., 1990

Paul Ricoeur (1913-2005)

Um dos maiores filósofos europeus do século XX acaba de morrer (20 de Maio de 2005) na sua casa de Chatenay-Malabry. O que nos deixa é uma obra muito rica e densa, e uma atenção singularíssima à modernidade, que permitirá, depois da sua morte, manter actual, por muitos anos, a perenidade da sua obra – porque foi um interrogador do tempo presente, com instrumentos intelectuais cujas potencialidades estão longe de se esgotar.
Metáfora viva” e “Paradoxo político” são referências quer no campo filosófico, em especial no pensamento hermenêutico, quer no campo do pensamento político, no auge da contradição histórica entre as aspirações sociais dos anos cinquenta e a exigência das liberdades individuais que o colectivismo recusava. Husserl e Karl Jaspers influenciaram decisivamente o seu pensamento e o seu método. A coerência entre as ideias e o compromisso, na linha de Mounier e de Landsberg, aprofundou-se a partir da experiência da prisão durante a guerra e das responsabilidades sentidas no pós-guerra.
Gabriel Marcel foi um interlocutor essencial para Ricoeur, pondo em diálogo a existência e a acção, o percurso individual da pessoa e o seu compromisso social… O tema da responsabilidade não pode ser alheio ao do conhecimento e da compreensão. Personalidades como o social-democrata André Philip influenciaram o percurso cívico. Merleau-Ponty, Emmanuel Lévinas, Gadamer, Dumézil, Eliade, Rawls, Walzer mobilizaram a sua atenção e a sua extraordinária capacidade para dialogar e aprofundar as reflexões sobre ideias.
Membro de uma Igreja reformada vai tornou-se uma figura essencial no diálogo ecuménico – respeitadíssimo pelas várias confissões religiosas pela seriedade da sua atitude intelectual. Desde 1956 viveu na comunidade fundada por Mounier, partilhando com Paulette Mounier, Jean-Marie Domenach, Henri Marrou, Paul Fraisse e tantos outros uma atitude centrada da dignidade da pessoa humana.
Encontramos em Ricoeur uma «ontologia do agir» que o leva a afirmar: «Sous la pression du négatif, des expériences en négatif, nous avons à reconquérir une notion de l’être qui soit acte plutôt que forme, affirmation vivante et puissante d’exister».
Era um sábio, com uma inteligência desperta para ouvir os outros e para descobrir novos caminhos. Eis porque deixou um vazio impossível de preencher.

sábado, maio 21, 2005

LEKTON

Lekton: Termo grego usado pelos estóicos que significa «conteúdo do enunciado»

Um novo blog de leitura particularmente dedicado aos autores clássicos.
Inicia actividade com "A República" de Platão.

«Porque as raízes da cultura estão naquelas obras chamadas clássicas, obras cuja mensagem não se esgotou e que permanecem fontes vivas do progresso humano».

segunda-feira, maio 16, 2005

Discussão em Popper

«A verdade é difícil de alcançar. Para tal requer-se engenho, ao criticar as antigas teorias e engenho na invenção imaginativa de novas teorias. Isto passa-se não só nas ciências, mas em todos os campos."


Karl Popper, O Mito do Contexto, pp.67

sábado, maio 14, 2005

Modernidade, relativismo e ciência

Karl Popper demonstrou claramente haver aqui uma confusão entre os conceitos de “certeza” e de “verdade”, na medida em que se não há, de facto, “certezas absolutas”, pode e deve haver “verdades absolutas” desde que (e esta distinção é capital) essas verdades sejam perspectivadas num horizonte de incerteza. Se assim não fosse, quer dizer, se não se admitisse a existência de “verdades absolutas” (num horizonte de incerteza, repete-se) o espaço cognitivo seria preenchido por “verdades relativas” intermutáveis, justificando filosoficamente um mundo de “vale tudo”, sem critérios nem referências, universo nihilista sem outro princípio do que o “cada um por si”, onde todos os valores ficariam esvaziados de sentido.
Nessa senda de anomia total restaria apenas a lei dos mais fortes contra os mais fracos, a eclosão do reino da selvajaria e da injustiça, e o inevitável aparecimento de novas formas de escravatura. É num tal contexto que as “verdades absolutas”, desde que inseridas num “horizonte de incerteza”, são necessárias a uma coesão social que respeite a liberdade individual sem cair no cepticismo.*
*É igualmente por isso, que a Democracia não deve ser vista apenas – nem principalmente – como um conceito relativo consistindo numa mera “delegação de poderes do povo”, concepção variável e facilmente atraiçoada, mas como, o efectivo controlo do povo sobre o poder através de órgãos que minimizem a promiscuidade de poderes. Do mesmo modo que o princípio da “igualdade” herdado da Revolução Francesa, não corresponde à abstracção arbitrária de: “todos iguais”, mas sim – bem mais pragmaticamente – a uma igualdade de “oportunidades para todos”, o que é radicalmente diferente porque põe o acento tónico numa praxis política e económica precisa e não num conceito de escopo incognoscível e erradio.
Adelino Torres. O estudo todo aqui.

K. Popper

Porque que é que a simplicidade da linguagem é tão importante para os pensadores iluministas? Porque o verdadeiro pensador iluminista, o verdadeiro racionalista, nunca pretende convencer ninguém a fazer nada. Não, nem sequer deseja convencer ninguém: tem permanentemente consciência de que pode estar errado. Acima de tudo, valoriza demasiado a independência intelectual dos outros para querer convencê-los em questões importantes. Prefere provocar a contradição, preferivelmente sob a forma de crítica racional e disciplinada. Não procura convencer mas despertar – desafiar os outros a formarem opiniões livres.(...)Uma das razões por que o pensador iluminista não quer convencer ninguém de nada é o seguinte. Ele sabe que, fora do estreito campo da lógica, e talvez da matemática, nada pode ser provado.

Karl Popper, A Vida é Aprendizagem, Edições 70 (pág.118)

sexta-feira, maio 06, 2005

Sofistas

Com o Trívio (gramática, retórica e dialéctica), implementado pelos sofistas, há uma convergência ao uso da palavra, como a política era a mais importante função a desempenhar, tinha-se que trabalhar o dom da palavra.
O corpo era para os gregos também muito importante, dá-se muita importância á estética, pois o corpo pertence ao conjunto total do homem e como tal, era cultivada a ginástica em particular e os restantes desportos em geral.
Para os sofistas não há uma verdade única que a todos se imponha, a verdade é relativa. As coisas são pelo indíviduo e para o indíviduo. É por esta posição que os sofistas ganham má fama porque todos os filósofos da época procuravam a verdade e estes não a reconhecem como realidade em si, dizem apenas que a verdade é em função do sujeito.
Há nesta época uma crise de valores. O político não tem verdades, tem adequações e impera o consensualismo, ou seja, o que é melhor para a cidade (pólis) no momento.
Relativismo e consensualismo são normalmente os índicios de crise. Uma ética consensual é muito perigosa, pois torna-se difícil avaliar alguma posição através de maiorias, tal como é o exemplo do aborto no nosso tempo. Pensemos: Haverá consenso no referendo do aborto? Não, não enquanto a diferença fôr mínima, pois não pende decisão maior para nenhum dos lados.
O universalismo ético com todas as verdades absolutas, era, para os sofistas, impossível de ser vivido porque trazia fundamentalismos e impossibilidades de vivência. Surge assim, o racionalismo livre com os sofistas.

Primórdios da acção consciente

A descoberta da filosofia moral é já não uma moral vivida mas a sua descoberta, a moral refletida. A consciência da norma moral é reflectida tanto individualmente como socialmente. Começa-se a pensar sobre a legitimidade das normas e do reconhecimento da autoridade que as enuncia.
Anteriormente assentámos em momentos sucessivos para a formação da razão ética, agora assentamos na constituição de uma razão ética.
É com os sofistas que conhecemos pela primeira vez o relativismo moral, são eles que nos trazem o consensualismo ideal educativo, a formação espiritual consciente e com isso, o surgimento do racionalismo livre.
Os sofistas são um pouco mal vistos na história. Eram tidos por pessoas que queriam ensinar apenas a retórica sem se preocuparem com a verdade. Contudo, são os primeiros pedagogos, e foram eles que criaram as ciências da educação. Têm uma consciência clara que é possível determinar uma pessoa pela educação e são eles quem pensa num projecto educativo pela primeira vez (Trívio: gramática, retórica e dialéctica; Quadrívio: astronomia, geografia, música e matemática) o que antes não havia, e este mantém-se até ao fim da Idade Média.
Esta descoberta da filosofia moral envolve uma consciência da moral vivida, é já uma reflexão do vivido. Os modelos de moral estão implícitos nos textos mas ainda não abertamente ditos por absoluto. Explico: ainda que o produto da acção seja o mesmo, a natureza da acção é outra. Sendo reflectida, existe consciência da acção, apesar de não ser dito explícitamente, ou seja, o homem age racionalmente e é este modo de agir que legítima a acção.

"Qualquer projecto educativo é uma moral disfarçada"
Wunenburger [séc.XX].

quarta-feira, maio 04, 2005

Os 7 Sábios e o Orfismo

Em continuação do post abaixo, da Poesia e Tragédia, temos os 7 Sábios que são o ideal de sabedoria que se exprime em normas de bem viver. Recordo que estamos a falar do período pré-socrático, onde ainda não haviam, digamos assim, «instituídas» quaisquer disciplinas.
Os temas dos 7 sábios eram as normas políticas e morais. Estes sábios não são conhecidos com certezas, mas sabe-se que Tales e Solon são 2 deles.
Os sábios, possuidores de sabedoria, colocam-se numa dimensão teórico-práctica. Um conhecimento teórico só não terá grande utilidade se não aplicado à prática, e a sabedoria destes sábios é teórico-prática, como já se mencionou, ou seja, exprime-se em normas de bem viver, que, por sua vez, se exprimem quer a nível social quer individual. Há uma indissociabilidade entre normas políticas e morais. Não se pode separar uma da outra porque o indivíduo está na/ou pertence à sociedade. Não há para os gregos possibilidades do indivíduo viver fora da sua comunidade - da que nasceu e está inserido.
O Orfismo é uma corrente que alude à intensificação da espiritualidade e da interioridade. Os temas são a norma expressa e a obrigação de prestar contas da sua vida. Esta teoria do orfismo teve um grande impacto em Platão e caracteriza-se pela reencarnação da alma (teoria da reminescência). O corpo vive vidas, mas reencarnando em almas. A alma (psiké) é o que dá vida, é o que está no corpo.
Deus cria o homem assoprando-lhe nas narinas e assim o homem ganha vida, a alma é aqui princípio vital apenas (Génesis). Para os gregos, no orfismo, a alma não é apenas princípio vital, é também um processo que pode libertar a alma da rotatividade de incarnações - o caso do filósofo, que é aquele que possui a verdadeira sabedoria, que aplica o que sabe à vida. O filósofo é aquele que melhor conhece o Bem e é aquele que melhor o pratica. É o único que se pode libertar do ciclo sucessivo de reencarnação, que no fundo é a perfectibilidade da alma do homem. O homem vive muitas vidas pelas reencarnações para chegar à perfeição e se libertar da vida terrena. Uma alma que se esforça muito tem o «direito» de reencarnar num corpo melhor numa outra vida.

Portanto, como já se leu abaixo, a norma na poesia é exemplificada, nas tragédias é deliberada porque já é reflectida, nos 7 sábios é percebida na dimensão individual e social e no orfismo é francamente percebida na medida em que o homem, como também já se disse, «presta contas da sua vida».
Somos o resultado do nosso agir, o homem percebe isso, tem já consciência da sua perfectibilização e descobre a filosofia moral, depois do orfismo e antes de Aristóteles.