quinta-feira, junho 02, 2005

Hannah Arendt

Para quem já se familiarizou com esta filósofa (como é o caso do Vasco, que eu bem sei! :) ), aconselho uma passadinha pelo Conversamos, onde vos esperam outras boas sugestões de leitura - Tempos Sombrios - que eu não conhecia, mas que vai já para o caderninho de futuras compras. Obrigado LN.
Abraços a todos.

13 comentários:

LN disse...

Hannah Arendt é preferida de mais alguém que não eu??? sou fã (dela) e tenho de saber... :))
E o livro é «homens em tempos sombrios», da Relógio d'água.

Já agora, para a ler mesmo em «boa maré», aconselho A Condição Humana.
Inté...

Anónimo disse...

Pois é, foi a partir daquele questionário que rodou a net, que um amigo se interessou por ela e foi comprar a "condição humana" (que ja li). acho que ele deve ter gostado, por isso recomendei esse que não conheço. é tão envolvente como a condição humana LN?
bjinhos.

Anónimo disse...

Não li, mas julgava que era um bocadinho polémica. Corrijam-me se estou errada. Não é a mesma sra judaico-alemã, companheira de Heidegger?

Lembro-me de ver uma vez numa crítica do Elie Wiesel que ela era qualquer coisa como uma grande filósofa e uma pessoa desprezível...

E agora vocês esfaqueiam-me virtualmente... Mas também nunca nenhum de nós a conheceu! ;)

Anónimo disse...

Não leste e fazes um juízo de valor desses...? oh amiga, nem parece coisa tua.
Não te vamos esfaquear, é perfeitamente normal, também já tive ideias bastante enganadas até ler - e entender - o autor, e perceber que a maior parte das vezes as críticas podem ser situadas, ou seja, feitas por "adversários" da época. Acontece muito alguns terem pequenas desavenças e falarem mal dos outros á força toda.
No caso de Arendt, sim era judaico-alemã e foi amante de Heidegger que foi seu professor na faculdade e sabe-se também que este lhe batia. Heidegger era bem mais velho do que ela. São coisas... mas mesmo assim Heidegger merece ser lido.
Entretanto Arendt esteve num campo de concentração e foi uma pessoa bastante sofrida. Nunca a acusaria de ser uma pessoa desprezível, bem pelo contrário, o que ela honrosamente defende é precisamente a dignidade da condição humana. É uma grande filósofa e uma pessoa que enriqueceu muitas vidas com o seu pensamento.
Lê-a que tenho a certeza que vais gostar.
Já agora, e desculpa-me a ignorância, mas quem era Elie Wiesel e o que dizia na crítica a Hannah? Era uma crítica meramente pessoal?

ps: Nunca nenhum de nós a conheceu... já sei que não és de crenças nem de ter fé's, és mais do ver para crer, mas indo por aí... punha em causa, antes de mais, a blogosfera e tudo o que por cá fazemos, sem entrar no campo de toda a literatura.
Pergunto-te: Que sentido dás a tudo quando não conheces os autores? ;)

ps2: A LN é que conhece bem a obra de Hannah Arendt, eu só li a Condição Humana e sei alguma coisa sobre a preocupação dela com a técnica que é desumanizante, por isso esperemos que a LN nos diga algo.

bjinhos

LN disse...

Voud eixar, tão breve quanto conseguir, síntese biográfica.

A partir daqui, conversemos :))

14 de outubro de 1906 - Arendt nasceu em Linden, nos arredores de Hanôver, no seio de uma rica família de imigrantes judeus provenientes da Rússia, filha única de Paul e Martha Arendt.
Numa conversa com Günter Gaus no ano de 1964: “Eu não soube dentro da minha casa que sou judia. Minha mãe não era religiosa e meu pai havia morrido muito cedo. Parece muito estranho. Meu avô foi presidente da Comunidade Liberal e vereador de Königsberg. Venho de uma família tradicional. Apesar disso, a palavra judeu não foi usada na nossa casa durante a minha infância. Tomei conhecimento dela pela primeira vez através de observações anti-semitas – nem vale a pena contar – feitas por crianças nas ruas. A partir daí fui, por assim dizer, instruída a respeito”.

1910 - mudou-se para Könisberg
A falta de confiança em si foi outro traço da personalidade de Hannah Arendt na juventude, bem como a introspecção. O livro "Rahel Varnhagen – A Vida de uma Judia Alemã na Época do Romantismo" é considerado por muitos como uma espécie de "autobiografia".

Sabe-se que teve uma infância difícil, embora a sua educação tivesse ocorrido num meio intelectual e artístico, permitindo e propiciando a tolerância e a abertura do pensamento. Filha única, sofreu a morte do seu pai aos seis anos que, antes disso, se encontrava doente e paralisado. Após a morte do pai, a mãe voltou a casar com um homem que tinha, de um casamento anterior, duas filhas. Uma delas, Clara, de quem Hannah gostava muito, suicidou-se alguns anos antes da chegada de Hitler ao poder.

Para fazer os estudos universitários, Arendt partiu para Berlim, onde freqüentou os cursos de sua preferência na universidade local. A opção foi pelo latim, grego e pelas palestras do teólogo Romano Guardini.

1924 - matricula-se na Universidade de Marburg.

Os cinco anos passados em Marburg foram marcados pela companhia dos antigos amigos, bem como pelo despertar do amor pela filosofia, sob o impacto do assombro experimentado e da reverência a Heidegger.

Conheceram-se na posição assimétrica de mestre e aluna, em 1924, em Marburg, ele com 35 anos e ela com 18.
Depois do romance secreto e da paixão proibida, a cada um restou seguir seu caminho.

Hannah decidiu deixar a cidade para estudar um semestre com Husserl e se afastar de Heidegger. Mas é com Heidegger que decide pela inconveniência de realizar a sua tese sob a orientação dele.
Ele escreve a Jaspers, então professor de filosofia na Universidade de Heidelberg, recomendando-a.

Hannah Arendt estuda Filosofia, Teologia e Filologia Clássica nas universidades de Marburgo, Friburgo e Heidelberg.

Foi, sucessivamente, aluna de Jaspers, de Heidegger,de Bultmann.

1926 - os dois expoentes da filosofia alemã do século XX passam a dividir responsabilidades no que se refere à formação de Arendt. Por sua vez, ela, que fora inspiração de Heidegger na elaboração de "Ser e Tempo", acompanha, a seguir, o desenvolvimento da "Filosofia", de Jaspers, servindo-lhe de interlocutora.

1928 - Conclui o doutoramento em Filosofia, em Heidelberg, sob a direcção de Jaspers: Der Gottesbegriff bei Augustin (O Conceito de Amor em Santo Agostinho, publicado pela Instituo Piaget, em língua portuguesa :).

1929 - casa com Ghünter Stern

1933 - surge a proibição de os filósofos judeus leccionarem nas universidades alemãs, em plena ascensão do nazismo.
Como é sabido, Heidegger tinha aderido.

Hannah Arendt parte para Paris. Graças a uma bolsa de estudos, trabalha na biografia de "Rahel Varnhagen, A Vida de uma Judia", concluída em 1938, mas, nas suas próprias palavras, escrita em grande parte em 1933, quando, nas suas palavras, já tinha consciência do declínio do judaísmo alemão. Esta obra apenas será publicada em 1957.

1931 a 1939
Hannah Arendt reside em Paris, convivendo com filósofos como Sartre, Raymond Aron, Walter Benjamin e escritores como Stéphan Zweig, Bertold Brecht, que aí partilharam o seu exílio.

Vive a morte precoce de amigos, entre eles Walter Benjamin, que se suicida em Port-Bou, desanimado pela possibilidade de conseguir o visto e emigrar, via Lisboa, para os Estados Unidos.
No início da guerra é internada no campo de Gurs e conseguirá fugir de lá, ao fim de cinco semanas.

1940 - Após essa fuga, dirige-se a casa de amigos em Montauban, onde volta a encontrar Heinrich Blücher, com o qual veio a casar. Foi presa por diversas vezes em conjunto com o marido – operário e "marxista crítico".

1941 - Consegue visto e emigra para os Estados Unidos.
Blücher teve na vida de Arendt um papel fundamental, pois foi ele que a motivou para o estudo da filosofia política.
Ligando-se às organizações sionistas e lutando pelo nascimento e independência de Israel, Hannah Arendt torna-se, neste ano, secretária-geral no quadro da Aliyah da juventude, facilitando a imigração de crianças judias para a Palestina. De resto, a posição de Hannah será sempre a de uma preocupação simultânea pela preservação da independência e o respeito pelas dificuldades relativas à questão árabe.

1941 até 1945
Colabora no jornal Aufbau, contratada como editora
Aprende inglês entretanto (que não sabia ler nem falar).
A colaboração com o Aufbau terminará com um artigo que Arendt publicará corajosamente, intitulado "A Crise do Sionismo" e que marca claramente a sua posição, relativamente às facções mais radicais do sionismo

Ela própria o afirma na sua correspondência, "tornou-se uma espécie de escritora em free lance, a meio caminho entre o historiador e o jornalista político".

1944 - começou a coordenar ao trabalho de pesquisa da Comissão para a Reconstrução da Cultura Judaica Europeia, criada no quadro dos trabalhos da Conferência sobre os Estudos Sociais Judaicos.
A partir de 1943 já Hannah, juntamente com Blücher, conheciam a tristemente famosa "solução final", embora ela se recusasse a acreditar.

1946 e 1948
Hannah Arendt aceita um lugar de direcção nas edições Schoken Bookes, dirigidas por Salman Shocken, que conhecera em Berlim - travou conhecimento com T.S.Eliot e R. Jarrel, de quem viria a tornar-se, não apenas grande admiradora, como amiga.

1948 - é directora da organização para a Reconstrução da Cultura Judaica.
Em plena época do maccarthismo e das perseguições aos comunistas, muito marcada pelo seu passado, não hesita em condenar o estado das coisas, publicando (apenas dois anos após a sua naturalização) um artigo intitulado "Les ex-comunistes". É, aliás, esse o contexto que lhe serve de base para a redacção da sua obra "As Origens do Totalitarismo".

1949 - retorna à Europa, reencontra Heidegger em 1950 (saiu em 33 da Alemanha, portanto 17 anos depois)

1951 - é declarada cidadã americana e publica o 1º livro: As Origens do Totalitarismo

1952 - rompe com a política do Estado Hebreu, pelos massacres perpetrados contra o povo árabe, em Kybia.

1953 a 1958
inaugurou, nas faculdades americanas, o magistério feminino da Filosofia. Lecciona Filosofia e Ciências Políticas nas universidades de Berkeley, Princeton, Columbia e outras.

1958
Publica a A Condição Humana - "Vita activa oder Vom tätigen Leben"
Pede ao semanário, o New Yorquer para cobrir o processo de Adolf Eichmann.
Jaspers adverte-a para as consequências. Ele não temia apenas o espírito ferozmente crítico e lúcido de Arendt, mas revelava igualmente a sua inquietação perante as eventuais repercussões anti-semitas que o processo corria o risco de ter sobre Israel.

1959
recebeu o prêmio literário Lessing, oferecido pela cidade de Hamburgo, na Alemanha

1961
Publica Between Past and Future
Mas... os cinco artigos em que Hannah expôs as minutas do processo "Eichmann em Jerusalém" (já publicado em português, desde o ano passado) suscitaram contra ela uma campanha de violência extrema, que durou mais de três anos e que foi comparada à questão Dreyfus.

O jornal Aufbau, com o qual colaborara durante quatro anos, recusou-se a publicar fosse o que fosse escrito por ela, publicando, ao invés, uma página inteira de artigos contra ela.
Corajosamente e contra toda a prudência, Hannah não renegou uma única linha do que escrevera, acrescentando a Jaspers que se o pudesse ter imaginado, "teria, sem dúvida, feito exactamente o que fiz".

Teimosia ou não, o lema que orientou a vida desta mulher de inquebrantável vontade foi, sempre, o de uma convicção interior e de uma coerência que apenas obedecia a um imperativo ético.

1963
Publica "Eichmann à Jerusalém. Rapport sur la Banalité du Mal"
E Acerca da Revolução

1967 - professora universitária em Chicago

1968 - professora de Filosofia Política na New School for Social Research, em Nova Yorque, cargo que ocupará até 1975, o ano da sua morte

Quatro meses após o derradeiro encontro com Heidegger, no dia 4 de Dezembro de 1975, Hannah Arendt tem uma crise cardíaca fulminante, durante a tarde. Tinha sessenta e nove anos e antecedeu a morte de Heidegger um ano.

factos adiante, podemos voltar á obra e aos amores...

até logo.

Anónimo disse...

Esse "não ser de fés" seria para mim? LOL
Não conheço um judeu (sobretudo uma cripto-judia, como eu) que não se questione a toda a hora!;)

Pois nunca li Hannah Arendt. Não disse que ela era má, citei quem a conheceu. E é verdade que muito bom filósofo e artista é má pessoa. Julgo eu... Mas não posso falar desta sra em específico porque não conheço nada dela, nem procurei atacar os ídolos de ninguém.


Elie Wiesel não é ninguém da blogosfera. eh eh eh! Romeno judeu que sobreviveu a Auschwitz, escritor com livros muito polémicos e interessantes sobre o Holocausto e a ideia da morte de D'us. Foi prémio Nobel da Paz em 86. Há uma fundação para a ética com o nome dele.

Como vês, também deves ser menos rápida. ;)

Pois hei-de ler a Hannah. Não faço juízos sobre ninguém a priori, muito menos sobre qum sofreu.

Amiga LN, conta-me tudo, menos histórias de amor entre profes e alunos, sim? **

Anónimo disse...

Questionar-se não é ter fé. É ser céptico ou crítico ou algo do género (que tb sou). :)
Como nunca percebi bem a tua crença religiosa (nem tenho que perceber, mas como somos amigas da "vida real" posso falar ctg nestes termos) supûs que e provavelmente supûs mal, mas isso é post para outra vez que te apeteça desvelar o véu.
Sobre a Arendt, lê-a Carla. Pelo que sei vais gostar bastante dela.
E sim, o que não faltam são pessoas mázitas e isso é como a sida, ataca qq profissão, infelizmente, já que o que estranhamente acho, é que a responsabilidade em certas áreas ainda é maior.
Sustento a minha opinião em relação a ofensas pessoais seja de quem for e ainda mais a quem deu o seu nome a uma fundação de ética. Nunca hei-de concordar com isso, mas posso é reconhecer o seu trabalho, claro! Reconhecer tal como o faço em relação a Heidegger e a Lévinas (tb judeu) que era violento na sua relação conjugal mas um grande filósofo (a meu ver).
Entre outros.

LN, obrigadíssimo pela informação, e mais alguma coisa que tenha sobre ela já sabe que a casa está sempre aberta. :)
Até já.

Anónimo disse...

Ter fé é também questionarmo-nos se não formos dogmáticos, mas questionarmo-nos apenas não é sinónimo de ter-se fé. São coisas distintas.
È influência "Da Certeza" de Wittgenstein. :))))

Caiê disse...

Embora não seja matéria para discutir aqui, tem também a ver com estes senhores, portanto eis um pouco do véu levantado:

"é mais fácil acreditar em D-us do que gostar d'Ele"

pelo menos para mim.

Anónimo disse...

boa frase para se pensar.
um beijito miga.

Anónimo disse...

Rosa, amiga, tenho andado um bocadinho afastado da blogosfera nestes últimos dias e por isso respondo só agora para te dizer que gostei da tua surpresa. :) Contudo, e com muita pena minha, não vou para já poder contribuir para esta elevada discussão em torno deste livro e da autora em particular, pela simples razão de que ainda não li o livro. De todos os que tenho para ler esse será contudo o próximo a ser 'devorado'. Queria ainda aproveitar a oportunidade para te agradecer estas dicas literárias que nos vais deixando e que muito contribuem para o nosso enriquecimento pessoal e concomitantemente colectivo. Muito obrigado. É nesta partilha desinteressada que se move realmente o mundo... Beijinhos Rosa.

Anónimo disse...

:) Também pouco tenho vindo, apenas o necessário para ler emails e vos responder.
O que faço aqui só faz sentido pela vossa participação fiel, obrigado eu. :)
Então quando leres a Condição Humana ficas encarregado dum post por cá, combinados? :))) Tens todo o tempo do mundo.
Um beijinho!

alberto augusto miranda disse...

há muita bruma - mito-propositada - no séquito de hannah. o caso humano é tão voltaico quanto as relações proverbiais que as maiorias eram obrigadas a estabelecer: relações senhor-escravo, o pragmatismo da relação amantina, a fachada que o terror e a hipocrisia impunham. O que é Heidegger, como caso humano, senão uma manifestação do medo e do geral medo? O que é Hannah señão a eterna expressão do conflito atracção/repulsa? O bosque de heidegger é o retorno vaginário, new york é a sede de um transistor borderline e jerusalém o psicodrama transferido que pelo menos ensinou a sociologia do medo e a sua banalidade (pelo bem e pelo mal).
Porque se afloraram problemas de fé, implico: se a fé primária teve igualmente o medo como príncipe, a fé contemporânea tem necessariamente diferentes matizes. Em pouco, direi: deus, javé, o senhor - são resultados provisórios da fé restrita. O acto da pergunta - como semiótica anímica adstrita, é um exercício de fé. Desafia, não aceita, e, em máximo, tende ao que não há.