sexta-feira, julho 13, 2007

“Escolhendo-me, escolho o homem”

Opinião

A primeira vez que li não compreendi: “escolhendo-me, escolho o homem”. Avancei no texto de 1948 do filósofo Jean-Paul Sartre para confirmar que o sentido mais evidente da expressão era afinal também o mais genuíno, não obstante a estranheza que pudesse causar. Toda a “escolha” é sempre, inevitavelmente, a expressão de um valor, e tanto o que escolhemos para nós como o modo como escolhemos ser são testemunhos do que valorizamos, do que designamos por “bom” ou “bem”. Escolhemos para nós sempre o que consideramos ser melhor (mesmo se afirmássemos estar a escolher o pior seria ainda o melhor para nós) pelo que, paralela e implicitamente, rejeitamos outras escolhas, destituímos outros pretensos valores. Por isso “escolhermo-nos” é também escolher um modelo de pessoa, é escolher os outros ou como todos deviam ser; é escolher a humanidade.
Sartre destaca este aspecto para acentuar a enorme responsabilidade que nos incumbe em cada escolha. Porque, afinal, nunca escolhemos apenas para nós ou a nós próprios; quando decidimos agir e ser de um determinado modo, quando “nos escolhemos”, estamos a indicar como consideramos que os outros deviam agir e pensar, estamos a “escolher os outros”. Por isso – conclui o autor – devemos ter sempre presente a pergunta: “Que aconteceria se toda a gente fizesse o mesmo?”

Maria do Céu Patrão Neves in Jornal Diário 2007-07-13

2 comentários:

Carlos Faria disse...

Apesar de cansado da semana inteira de viagem que tive e do fim-de-semana que não foi menos desgastante, vejo que se confirma a reabertura do teu blog... dessa decisão os meus parabéns.
Sobre Sartre, que efectivamente não é o meu filósofo favorito, devido à densidade dos seus trabalhos que me dificulata a leitura com a velocidade que o tempo permite, subsiste-me uma dúvida sobre o inverso da frase do teu post "Rejeitando-me, rejeito o homem". Primeiro que Homem rejeito, o eu, ou o meu semelhante, ou aquilo que considero menos bem no homem? matéria para divagar mas não vazia de significado.

RD disse...

["Rejeitando-me, rejeito o homem". Primeiro que Homem rejeito, o eu, ou o meu semelhante, ou aquilo que considero menos bem no homem?]

A resposta está dada e muito bem dada através da pergunta.
Qualquer um de nós se rege por um "mix" que surge dum referencial de valores, fruto dum código genético, duma absorção e/ou vivência num contexto cultural e de um desenvolvimento espiritual, e é neste último que reside, talvez, o nicho com mais potencial de escolha deliberada, esclarecida, voluntária e autónoma porque é por ele, e nele, que nos desenvolvemos (ou temos obrigação disso) mais individualmente.
Agora chegando ao ponto que interessa mais, creio sem sombra de dúvida que são as nossas escolhas que nos definem e sim - Se me escolher, escolho o Homem e se escolher o homem, escolho-me a mim, pois vou em direcção ao que ache mais correcto ou melhor para mim (e outros), certo?
Da mesma forma, ao rejeitar algo ou alguém - isso não quererá dizer o mesmo? Ou rejeitando-me não estarei a rejeitar todo o igual ou "parecido"? Não será porque ache que não estou no melhor caminho (pathos)?
O bom deste exercício, na prática, é o "conhece-te a ti mesmo".
Até breve.