sábado, dezembro 04, 2004

Inquietações

A época em que vivemos não foi por nós escolhida, todo o mal do mundo não é culpa nossa, tudo nos foge ao controle… limitamo-nos a desenvencilharmo-nos da melhor maneira possível e a amenizar o sofrimento normal da vida. Será mesmo nisto que acreditamos? Ou deixámos de ter fé nas nossas acções e somos todos uns comodistas hipócritas com névoa nos olhos?
Cada vez mais é preciso parar para pensar, pensar a sério e não chegar a uma conclusão e passar à frente, é preciso pô-la em prática, cumprir o dever para connosco.
Apontar problemas parece ser o mais fácil hoje em dia, apesar de ainda haver quem nem deles tenha consciência… contudo, não é ainda suficiente, é preciso encontrar soluções e pô-las em prática. É preciso que nos responsabilizemos todos pela vida que temos e fazer dela qualquer coisa melhor.
Cada escolha que fazemos provoca mudanças ao rumo da nossa vida, e consequentemente à vida dos outros, do nosso próximo. Não pode haver mais desculpas atribuídas ao destino, a causas exteriores, a terceiros.
Mesmo quando escolhemos não escolher estamos a escolher, e mesmo que ninguém saiba disso sabemos nós, porque quer queiramos quer não, vivemos connosco, de nós não podemos fugir. Somos seres racionais e conscientes das nossas acções e temos o dever de tentar ser cada vez melhores humanos, devemo-lo ao próximo e a nós próprios senão não ganharemos o direito à felicidade. Só o inconsciente pode ser feliz sem cumprir o seu dever porque não carrega culpas.
O problema da sociedade contemporânea, de que tanto se fala, é a chamada crise de valores. Esta crise de valores dá-se em diferentes áreas, mas é importante que se diga, que os maiores valores em crise são os humanos e não sem razão. Vive-se na chamada globalização, vemos de tudo, fazemos de tudo, apanhamos com tudo e dizem-nos para sermos tolerantes, para aceitar a diferença porque é aí que está o respeito. Ora, aceitando e tolerando tudo caímos na indiferença, deixamos de nos importar porque não é da nossa conta, porque é mais fácil assim sem perguntas nem respostas, e lá vamos nós caminhando aos solavancos, cegos como morcegos com medo da luz.
É preciso ser tolerante sim e aceitar as diferenças, mas pensá-las e não imitá-las desajustadamente, e em vez de se seguir padrões, construir os nossos próprios trilhos, aqueles que fazem de nós o que somos. Uma unidade numa diversidade.
O bom exemplo da época é o recorrer a todo o tipo de comprimidos, ansiolíticos, anti-depressivos e drogas de toda a espécie. Em suma, tapar o sol com uma peneira. Porquê? Porque não se soube o que fazer, não se soube como pensar bem para resolver qualquer situação, porque a realidade não respondia às exigências interiores? Basta de culpar a vida e a nossa condição nela. Já há muito que se diz que quem está mal que se mude. Está em tempo disso, somos criaturas dotadas de razão, mas sem conhecimento correcto não vamos a lado nenhum. Não basta sermos os melhores, temos que ser bons. Somos os únicos seres que tem possibilidade de adaptação completa e não a exploramos. Culpamos tudo o que podemos menos a nossa fraca vontade de mudança. Queremos um futuro melhor para os nossos filhos e porque não para nós também? Se não mudarmos para melhor, os nossos filhos tomam-nos como exemplo e tornamos a ver a banda passar… a tocar a mesma música desafinada. Cultura mal transmitida no presente é ver crescer o problema no futuro.
O conhecimento está em todo o lado, é preciso é filtrá-lo. Temos bibliotecas cheias de obras intemporais com todo o tipo de assuntos, nomeadamente destas questões do conhecimento, da razão, dos sentidos, da dimensão espiritual do homem. Há que ler mais filosofia, participar mais na sociedade, em eventos culturais, fazer desporto, actividades ao ar livre, etc. Enfim, dar alimento à alma, ao espírito, em vez de se ficar a noite toda em frente à televisão a ver as notícias e a se pensar que o mundo já não é um lugar bom para se viver.
Porque não aproveitar esta crise de valores que toda a gente sente e procurar respostas e crescer interiormente? Precisamos de nos conhecer melhor, fazer melhor. A nossa razão prática, a da acção, a da ética, tem que começar a obedecer à razão teórica que é o pensamento. Exige-se congruência para se ver resultados e nem para tudo é preciso subsídios, podemos começar por nós primeiramente, e depois pela nossa família e amigos. Tem que se vencer a má fé que nos derrota todos os dias, que é essa consciência das coisas que vamos deixando passar e que acaba por nos prejudicar. É ela que nos provoca conflitos com nós próprios, remorsos e culpas por não se ter feito o que se sabia que se devia ter feito. Tudo depende de nós e não da sorte, a sorte favorece os audazes apenas, como uma espécie de recompensa ou incentivo para mais. Temos que ser activos, aprender, perceber, conhecer e ser humildes o suficiente para saber que nunca iremos saber tudo mas que queremos saber o máximo possível, só assim teremos credibilidade para interagir e fazer melhor. Repito: basta de saber apontar problemas, é preciso soluções e começar por nós próprios é fundamental. De boas intenções e de treinadores de bancada está o inferno cheio.
Tanto se fez pela democracia e agora que a temos ninguém lhe liga. Todos temos os mesmos direitos, como cidadãos livres que somos, acesso à educação, aos serviços públicos, à participação na vida política e a tudo mais, no entanto, para muitos continua a ser pouco, esperam que o estado lhes leve a água à boca... Não se paga pelo saber, pela perfectibilização do ser humano. Não nos devemos limitar a estar cá neste mundo apenas de passagem e a deixar que o vento determine o nosso rumo, urge apostar na educação, no refinar do pensamento para que se viva e não se sobreviva.
A educação traz novos horizontes, quanto mais sabemos, melhor vivemos, porque as escolhas são diferentes e as acções melhores e mais correctas. Temos que ser os primeiros juízes de nós próprios, avaliar os nossos meios que tem um fim em comum – a felicidade (independentemente do que ela seja para cada qual, caminha para o bem), e só a atingimos cumprindo o nosso dever pela acção, que nos deixa por fim, descansados de consciência.
Faz sentido ajustar a utopia com o pragmatismo, precisamos de sonhar sempre com um mundo melhor e ser chamados a agir, não podemos aceitar os factos como inevitáveis, este é um imperativo ético que se coloca a cada ser humano. Já que a acção é irredutível, ao menos tentemos agir correctamente. O passo não é longo, pelo contrário, está dependente de cada um, ser um ser humano melhor, educando-se e perfectibilizando-se.

Sem comentários: