quinta-feira, fevereiro 24, 2022

Já fui uma crente feroz na bondade e perfectibilização do ser humano. Através do conhecimento, do entendimento e do saber.

Foram os melhores anos da minha vida em termos de paz.

O sentimento é indescritível. Sentimo-nos a crescer e a apreciar as coisas belas do mundo duma forma muito profunda, como se tivessemos a alma enorme, fundida com o que importa e elevada a outra dimensão.

Quando é que perdi isso...?

Hoje vejo mais feio que belo.

#nãoàguerra #direitoshumanos

segunda-feira, maio 11, 2015

Devir

Algures aí para trás entremeio das minhas publicações, encontramos o Navio de Teseu.


A ideia é questionarmo-nos se a coisa no seu todo é a mesma e se mantém, apesar de se fazer a manutenção e de se trocarem bocados ou partes dela, ou se a coisa muda com esta troca apesar de essas partes ou bocados serem substitutas das que lá estavam antes.

Interessante, não é?
Cada um fará a sua viagem pela ideia.

Eu creio que muda. Acho mesmo que muda tudo. Em essência fica uma memória associada ao que foi mas que já não é. E é aliás, por isso mesmo que se substitui para conservar, para preservar a memória da essência. É, por fim, o que dá sentido de ser à troca das partes mantendo o todo como ideia.
Agora o que já foi é outra coisa. Já não é.
Em devir, parcial ou totalmente, mas em devir. Sempre, e como se quer que algo útil e interessante seja.
Um todo em movimento, que cative e que valha por si. Memória que ensine, essência que molde e que se vá adaptando ao tempo, ao clima, às necessidades.

Sim, mudam as partes.
O todo se for forte mantem-se em devir, vai Sendo.
E ainda bem.

segunda-feira, novembro 25, 2013

[JOANA] MORA NA FILOSOFIA #3 | Rua de Baixo

Ei-la, a Joaninha no seu melhor.
Fiz um copy apressado e mal feito mas isto tinha que aparecer aqui. Como me lembro que tenho um blog de 5 em 5 anos, pensei que tendo o texto aqui postado, posso reler mais tarde. Só links de pouco servem... ou, só por si, não valem nada.


[JOANA] MORA NA FILOSOFIA #3 | Rua de Baixo

«Agora o senhor vai para casa e toma 10 gotinhas de Concentrado Kantiano, 3x ao dia. Daqui a um mês repetimos as análises ao sangue, para verificar como estão os níveis de ética»
 
«O conhecimento filosófico não vale nada», escreveu um senhor, a propósito do comportamento de um filósofo da nossa praça. Ora, isto é coisa para arreliar Sócrates (o grego, atenção!) e para fazer o Santo Agostinho dar voltas no túmulo.

Procurei esclarecer o sentido daquelas palavras. Acrescentei um «por si» e eis que o resultado fica, parece-me, mais próximo da verdade.
Vejamos:

«O conhecimento filosófico, por si, não vale nada»

Deixem o «por si, não vale nada» e completem a frase à vossa vontade.
Por exemplo:

«Dizer 10 vezes ao dia “sou muito boa pessoa”, por si, não vale nada»
«Comprar muitos livros e guardá-los na estante, por si, não vale nada»
«Imprimir o plano alimentar e colá-lo no frigorífico, por si, não vale nada»
«Ter uma ideia, por si, não vale nada»
«Ir à missa, por si, não vale nada»

Há ideias e actos que, por si, não têm valor algum. Vivemos muito iludidos com a noção de que podemos criar realidade através das palavras, por exemplo. Mas consta que esse carácter criacionista, pela palavra, só a deus pertence. Podemos também falar do aspecto altruísta (ou egoísta) das boas acções e discutir se isso basta para que nos tornemos seres humanos melhores. E aí, nesse momento, questionamos o bem e o mal e a forma como um e o outro interferem – à partida ou à chegada – no nosso olhar sobre aquilo que está à nossa volta. (Sim, a filosofia é muito isto, caminhar de interrogação em interrogação, em modo non stop – infelizmente, estas caminhadas não contribuem para a melhoria do porte físico, apenas do intelectual).

Tal como os sinais de trânsito – que se limitam a dizer «tem que seguir por aqui», mas nunca vão a lado nenhum – também o conhecimento, o saber acumulado poderá não ser o motor para coisa alguma. Conhecemos tantos casos de professores, autênticas “enciclopédias humanas” incapazes de dar uma aula com o mínimo de competências pedagógicas. Médidos com um passado académico acima de 19 que são autênticas nulidades no trato com os doentes. E filósofos que, por muito que leiam ou escrevam, vão DE encontro àquilo que estudam e defendem em neverending ensaios. E todos sabemos que ir DE encontro às coisas pode ter efeitos secundários: hematomas ao nível do intelecto e distância entre o que se diz e faz. Verdadeiras nódoas negras indetectáveis a olho nu.
Talvez os filósofos sejam apenas seres humanos, que confudem o “ir ao encontro” com um “ir de encontro”. Que têm dúvidas, porque as certezas podem tornar-se pesos insuportáveis nos ombros e causar hérnias discais. Talvez a filosofia não esteja assim tão distante da vida de todos os dias. Talvez todos nós tenhamos morada nessa rua, que se chama Filosofia.

quarta-feira, agosto 14, 2013

Sim, somos nós quem faz isto.

A Árvore da Vida ou a Árvore do Conhecimento

Klimt nunca me aborrece.
Quando observo alguma obra sua fico de alma cheia. Gosto de tudo. Das composições e das provocações, gosto da luz.

terça-feira, abril 06, 2010

A discussão

A verdade é difícil de alcançar.
As discussões sérias e críticas são sempre difíceis. Nelas entram sempre elementos não racionais, tais como os problemas pessoais e outras manobras de diversão.
Muitos participantes numa discussão racional, ou seja, crítica, consideram particularmente difícil terem de desaprender aquilo que os seus instintos lhes ditam (e aquilo que lhes é ensinado por todas a sociedades que debatem): ou seja, vencer.
Pois o que tem e devem aprender é que uma vitória num debate não significa nada, ao passo que a mínima clarificação de um problema que se tenha – mesmo a mais pequena contribuição para uma compreensão mais clara da sua própria posição ou da de um opositor – constitui um grande sucesso. Uma discussão que se vence, mas que não ajuda na alteração ou clarificação da vossa mente, nem que seja só um pouco, deverá considerar-se como uma perda completa. Por isso, nenhuma mudança de posição se deve fazer sub-repticiamente, mas há que, pelo contrário, realçá-la juntamente com as suas consequências exploradas.
A discussão racional, neste sentido, é uma coisa rara. Mas é um ideal importante e podemos aprender a apreciá-la. Não tem por objectivo converter ninguém e é modesta nas expectativas: é suficiente, mais do que suficiente, se sentirmos que conseguimos ver as coisas sob uma nova luz ou que até nos aproximámos um pouco mais da verdade.
Contudo, o maior obstáculo prende-se á falta de racionalidade e da escassa procura pelo bem e pela verdade por parte dos intervenientes.
"Quando se joga com uma equipa má há tendência a cair-se no mesmo jogo", já o dizem os comentadores desportivos, e na política a situação também é comum.
Frente a políticos de verborreia apurada a tendência é cair-se facilmente no mesmo, daí estarmos todos nesta situação de saco roto e de descredibilidade no País inteiro. A diabólica verborreia abafa e varre melhores comportamentos de outros, mas estranhamente, parece-me que as pessoas gostam é disso mesmo, de sofismos! Vai-se lá entender.
Nem todos são iguais. Há quem vá fazendo, há quem vá tendo resultados com o que faz sem levar a taça do protagonismo (que é, aliás, o que deveria interessar menos), taça essa meramente política e que serve de consolo a quem mais não sabe do que usar a língua e manipular informação.
Há quem sabe que há consequências boas fruto do seu esforço e, só por isso, já recompensa o esforço.

segunda-feira, março 22, 2010

Projecto Limpar Portugal - Faial mais LIMPO!

E pronto! Passou-se o sábado, dia 20 de Março, dia da limpeza.
Confesso que apesar de orgulhosa com o que foi feito - 75 toneladas de lixo recolhido no Faial, guardo uma tristeza enorme pelo que ainda ficou por juntar.
Há pouco mais de 3 meses para cá que os nossos voluntários têm vindo a fotografar o que há por aí escondido entre matas, ribeiras, etc. Algumas coisas foram, antes do dia 20, recolhidas por responsáveis, talvez por pudor talvez por obrigação (e ainda bem que assim foi) - e outra (a maior parte), retirada este sábado - mas, infelizmente, continua a haver zonas onde o lixo se mantém. Conseguimos, com menos de 80 pessoas no Faial, passar num terço dos percursos que tínhamos inicialmente programado. Se houvesse mais gente a ajudar teríamos feito quase tudo ou mesmo tudo.
Foi muito importante o que fizemos, vai muito além dum rodapé ou duma notícia num jornal. Parece-me é que as pessoas não entendem a dimensão desta acção talvez porque estejam "formatadas" para assuntos menores. Bom, se cuidar do nosso Ambiente e da nossa Ilha linda não é importante, o que o será?
Conseguimos, com a ajuda
de camionetas e dos funcionários da Tecnovia e Tecnovia Ambiente, Varela Ambiente do Grupo Bensaúde, Almeida e Filhos, Câmara Municipal da Horta, Mais 18"/Jante 18’’, Construções Monte Carneiro e Serviços Florestais, com a força e boa vontade da Guarda Nacional Republicana - SEPNA, Grupo de Canoagem do CNH, a turma de Ambiente da Escola Profissional da Horta e do Hospital da Horta que também nos deu luvas - fazer o que nos propusemos e duma forma muito bem feita!
Contudo, não teria havido nada disto, nem tão bem feito, se não tivessemos pessoas fabulosas a coordenar trabalhos em cada freguesia. Foram eles que se organizaram com os responsáveis da Juntas. Também é verdade que houve juntas que ajudaram muito e que sem elas pouco se teria feito, tal como houve juntas que não ajudaram nada (até desajudaram) o que não invalidou o esforço dos voluntários, bem pelo contrário!
Obrigado particularmente ás Juntas que se envolveram desde o início, que disponibilizaram carrinhas, luvas, sacos, pás, enchadas e gente! Gente que foi por vontade! Fizeram toda a diferença.
É a riqueza da diversidade.
Com todo este esforço, esta organização, este tempo sacrificado e retirado das famílias e outros afazeres ao longo destes 3 meses, pensámos que teríamos mais gente a participar, a querer ajudar o Faial a ficar mais limpo.
Não aconteceu. Algo se passa. Os faialenses devem repensar urgentemente o que querem para a sua ilha e depois dessa introspecção, começar a trabalhar para isso. Rezar e falar nos cafés não basta!
Não podem ficar à espera que as coisas aconteçam se não participam nelas. Esta foi mais uma ocasião em que a participação faria toda a diferença. Deixo-vos este "maternalismo" para reflexão.
Da nossa parte, deitámo-nos cansados mas descansados e satisfeitos com a nossa consciência.
O meu obrigado aos incansáveis coordenadores e amigos:
Matriz - Marta Scarlati; Angústias - Manuel Branco; Feteira - Rui Mendes; Castelo Branco - Ana Botelho; Capelo - Joana Rosa; Praia do Norte - Dalila Pombo; Cedros - Helder Costa; Salão - David André; Ribeirinha - Carlos Faria; Pedro Miguel - Marlene Azevedo; Almoxarife - Ana Mendonça; Conceição - Sílvia Lino; Flamengos - Jason Dias.
Obrigado ao Frederico Cardigos pela boa vontade descomprometida com que se voluntariou desde o início. Pela sua amizade, capacidade de incentivar e por meter mãos à obra!
Obrigado ao meu marido por se envolver tanto e ter ajudado a limpar a Horta que é de todos, obrigado pelo Amor, pelos conselhos e ideias, obrigado à minha família.

sexta-feira, março 05, 2010

Limpar Portugal


No dia 20 de Março, pelas 8.30, na sua Junta de Freguesia.
Traga luvas, roupa e calçado adequado e... muita boa vontade!
Contamos consigo!!

quinta-feira, novembro 05, 2009

Pensamentos

"Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança"

Benjamin Franklin.

sábado, outubro 17, 2009

O Navio de Teseu

O navio com que Teseu e os jovens de Atenas retornaram de Creta tinha trinta remos, e foi preservado pelos atenienses até o tempo de Demétrio de Falero e isto porque eles removiam as partes velhas que apodreciam e iam colocando outras partes novas.
Assim, o navio tornou-se motivo de discussão entre os filósofos com alguns dizendo que o navio era o mesmo, e outros dizendo que não era.
Quando cada componente dum navio foi trocado pelo menos uma vez, o navio continua a ser o mesmo?

segunda-feira, julho 23, 2007

Estão a matar o desejo!

Lembro-me de, há alguns anos, me ter oferecido para passar uma tarde com os filhos de uns amigos. Os pais estavam a trabalhar e as crianças ficavam aborrecidas em casa. Planeei levá-las a espaços diferentes que lhes proporcionassem novas actividades, programei percursos e organizei jogos, e até me aventurei na compra de uns pequenos “mimos”. Suponho que se tenham divertido mas, de facto, apenas retive um momento fugaz desse dia: ofereci um gelado (“dos bons” – diria eu; “que insignificância” – responderiam vós) e, perante a total ausência de reacção, tendo perguntado se não gostavam, uma das crianças disse-me ser já o terceiro do dia.
Fiquei estupefacta! Não porque não houve agradecimento da oferta, mas porque não houve alegria no receber.
Desde então reparo naquela criança que faz birra no supermercado e que os pais se apressam a acalmar entregando o objecto pretendido ou aquela outra que, em frente do escaparate dos doces, recusa todos, não obstante a insistência dos pais em lhe quererem dar o que ela escolher. Estão a matar o desejo! E sem desejo nem a criança nem nós nos desenvolvemos ou podemos ser felizes. É o desejo que nos torna responsáveis pela eleição dos fins, que estimula à descoberta dos melhores meios, que confere mérito ao nosso esforço, e que nos recompensa com a felicidade que advém da dificuldade e até da natureza transitória da posse... porque, afinal, o desejo tem de persistir... Aristóteles disse-o no séc. III a.C., tê-lo-emos esquecido no séc. XXI?

Maria do Céu Patrão Neves in Jornal Diário a 2007-07-20

sexta-feira, julho 13, 2007

“Escolhendo-me, escolho o homem”

Opinião

A primeira vez que li não compreendi: “escolhendo-me, escolho o homem”. Avancei no texto de 1948 do filósofo Jean-Paul Sartre para confirmar que o sentido mais evidente da expressão era afinal também o mais genuíno, não obstante a estranheza que pudesse causar. Toda a “escolha” é sempre, inevitavelmente, a expressão de um valor, e tanto o que escolhemos para nós como o modo como escolhemos ser são testemunhos do que valorizamos, do que designamos por “bom” ou “bem”. Escolhemos para nós sempre o que consideramos ser melhor (mesmo se afirmássemos estar a escolher o pior seria ainda o melhor para nós) pelo que, paralela e implicitamente, rejeitamos outras escolhas, destituímos outros pretensos valores. Por isso “escolhermo-nos” é também escolher um modelo de pessoa, é escolher os outros ou como todos deviam ser; é escolher a humanidade.
Sartre destaca este aspecto para acentuar a enorme responsabilidade que nos incumbe em cada escolha. Porque, afinal, nunca escolhemos apenas para nós ou a nós próprios; quando decidimos agir e ser de um determinado modo, quando “nos escolhemos”, estamos a indicar como consideramos que os outros deviam agir e pensar, estamos a “escolher os outros”. Por isso – conclui o autor – devemos ter sempre presente a pergunta: “Que aconteceria se toda a gente fizesse o mesmo?”

Maria do Céu Patrão Neves in Jornal Diário 2007-07-13

«Mais Filosofia»

«Mais Filosofia» é uma rubrica - chamemos-lhe assim, cuja iniciativa partiu e está a ser desenvolvida e dinamizada pela Área de Filosofia da UAç.
Esta área de Filosofia engloba professores e ex-alunos de Filosofia da Universidade dos Açores bem como o Centro de Estudos Filosóficos.

A intenção de trazer mais Filosofia às nossas vidas passa por uma série de artigos, publicados às sextas feiras nos seguintes jornais regionais:
- Açoriano Oriental, versão papel.
- Expresso das Nove, versão papel.
- Jornal Diário, também disponível online no endereço www.jornaldiario.com

Nós por cá tentaremos acompanhar e divulgar as publicações, assinalando os respectivos autores, e esperar que gostem. Que vos façam pensar.
Escusado será dizer que se aceitam sugestões e comentários relativos aos textos.

segunda-feira, julho 09, 2007

Não leia este artigo!

É verdade. Não leia este artigo, pois vamos falar de algo que - não interessa a ninguém.
Vamos falar de homens, de saberes, de pensar e de filosofia.
Filosofia, isso o que é? Filosofia, para que é que serve? Dá dinheiro?
Respondendo à primeira questão, apenas com alguns filósofos, diríamos que Hegel mandava os seus alunos lerem os seus livros; Kant defendia que era necessário ensinar a pensar; Ricoeur chamava a atenção para a importância da compreensão e da captação do sentido, de um pensamento consciente analítico e crítico; José Enes envereda pela hermenêutica e Gustavo de Fraga embrenha-se na fenomenologia. Porém, todos eles compreenderam algo de importante e pretenderam, nos seus diferentes campos de investigação, partilhar esse conhecimento com os demais. Levar-nos, muitas vezes, pela mão, até entendermos e contemplarmos aquilo que tiveram a ousadia ou apenas a felicidade de poderem perceber.
Filosofia? Tem a ver com quê? Dá emprego?
Parece que ninguém sabe…
No entanto, no café, ouvimos falar em “filosofia do futebol” e todos os presentes percebem do que se está a falar. Fala-se de “filosofia governamental” que minoriza a importância da Filosofia no ensino secundário, e todos contestamos. Defende-se a “filosofia do curso” e encerram-se cursos de Filosofia. Todos reclamamos a nossa “filosofia de vida”, e assumimo-(la) com firmeza e determinação.
Afinal, aquilo que parecia a princípio complicado e até mesmo excepcional, reservado só para alguns espíritos esclarecidos, torna-se uma vulgaridade do discurso quotidiano que todos parecem entender.
Enfim, o que se entende por filosofia?
Eu bem o avisei para não ler este artigo.

Gabriela Castro in Açoriano Oriental a 06.07.2007

sexta-feira, julho 06, 2007

“Eu só sei que nada sei”

Opinião

“Eu só sei que nada sei” é por certo a afirmação de Sócrates que mais decisivamente o imortalizou. Repete-se ainda hoje amiúde ora jocosamente, devido ao paradoxo que exprime, ora ironicamente, pelo sentido contrário que pretende evocar, ora eruditamente, na citação de um reputado mestre. Talvez tenha sido uma destas intenções, ou até as três simultaneamente, a perpetuarem o aforismo no conhecimento comum. A mim, porém, apraz-me pensar que é esta magia de condensar uma profunda sabedoria na simplicidade de uma única frase que verdadeiramente a eternizou.
A nossa justa valorização do conhecimento tende a converter todos em pequenos grandes especialistas que emitem opinião sobre tudo com uma invariável e inflexível autoridade. Falam sem ouvir, elevando progressivamente a voz num crescente ensurdecer da sua ignorância. Não se interrogam, nem hesitam; sabem! Porém desconhecem que quem tudo sabe nada aprende. Só quem se questiona e duvida, só quem se reconhece desconhecer pode vir a aprender.
A ignorância é a origem de todo o saber.

Maria do Céu Patrão Neves in Jornal Diário a 2007-07-06

quinta-feira, abril 27, 2006

A Diagonal da Vida

"Ao olharmos o caminho que percorremos na vida, ao abarcarmos o seu «erróneo curso labiríntico» (Fausto), não podemos deixar de ver muita felicidade malograda, muita desgraça atraída, e talvez facilmente exageremos nas repreensões a nós mesmos. O curso da vida não é certamente a nossa obra exclusiva, mas o produto de dois factores, a saber, a série dos acontecimentos e a das nossas decisões. Séries que sempre interagem e se modificam reciprocamente. Além disso, há o facto de que, em ambas, o nosso horizonte é sempre bastante limitado, na medida em que não podemos predizer com muita antecipação as nossas decisões e muito menos prever os acontecimentos; na verdade, de ambos conhecemos com justeza apenas os acontecimentos e decisões actuais.
Sendo assim, enquanto o nosso alvo está longe, não podemos dirigir-nos directamente para ele, mas só por aproximações e conjecturas, amiúde tendo de bordejar. Tudo o que conseguimos é tomar decisões sempre segundo a medida das circunstâncias presentes, na esperança de fazê-lo bem, para desse modo nos aproximarmos do alvo principal. Na maioria das vezes, portanto, os acontecimentos e as nossas intenções básicas são comparáveis a duas forças que agem em direcções opostas, sendo a diagonal resultante o curso da nossa vida."


Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'


... «O Homem é aquilo que sabe» Francis Bacon ou «Sou eu e as minhas circunstâncias» Ortega Y Gasset - ? - Pode ser apenas retórica a pergunta, mas aceitam-se bitaites. ;)

quinta-feira, abril 13, 2006

...

É só mais um bocadinho por favor, juramos que ainda estamos deste lado de cá e prometemos mais filosofia em breve.
Beijos e abraços.

segunda-feira, março 20, 2006

Fernando Gil

Dados biográficos Lisboa, 19 Mar (Lusa) - O filósofo português Fernando Gil morreu, hoje, em Paris, aos 69 anos, vítima de doença prolongada, revelou fonte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Fernando Gil, nasceu a 3 de Fevereiro de 1937, em Moçambique, onde fez o liceu. Estudou sociologia, durante um ano, na Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, partindo de seguida para Lisboa, onde se licenciou em Direito. Em 1961, parte para Paris, onde se licencia em Filosofia pela Universidade da Sorbonne.
Mais tarde, doutorou-se em Lógica, na Universidade de Paris, de que resulta a publicação da tese «La Logique du Nom». Em 1976, começou a leccionar na Faculdade de Letras de Lisboa, integrando posteriormente o Departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde era professor catedrático desde 1998.
Ensinou em várias universidades europeias e sul-americanas, como as Universidades de Porto Alegre e de São Paulo, e na Universidade Johns Hoppkins, em Baltimore. A publicação, em 1984, de Mimesis e Negação, valeu-lhe o Prémio Ensaio do Pen Club, que voltará a receber com Viagens do Olhar, em 1998. Edita ainda Provas, em 1998, Tratado da Evidência, em 1993, e Modos da Evidência, em 1998.
Traduziu para português, autores como Karl Jaspers, Romano Guardini, Cesare Pavese e Merleau-Ponty. Em Lisboa, fundou e dirigiu a revista Análise.
Foi consultor do ministro da Ciência e Tecnologia, José Mariano Gago, e do Presidente da República, Mário Soares, durante os seus dois mandatos.
Recebeu, em 1993, o Prémio Pessoa e foi galardoado com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em 1992. A Universidade de Aveiro nomeou-o ’doutor honoris causa’ e o governo francês agraciou-o com o título de Cavaleiro da Ordem das Palmas Académicas.

in Visão Online 20 Março de 2006

segunda-feira, janeiro 30, 2006

Condição Humana

(...) Vivemos, com efeito, na era do ser humano em aberto, a condição humana encontra-se actualmente, no estaleiro. (...)
Se nos quisermos orientar para o exercício duma reflexão crítica e prospectiva é conveniente começar por selecionar uma tese positiva: o estatuto em que a condição humana se encontra, hoje, situa-se perfeitamente no clima temático da modernidade, que pode ser remetido, como se de um momento originário se tratasse, para o diálogo entre Deus e Adão na Oratio (1486) de Pico Della Mirandola: nesse texto o que caracteriza a essência do conceito de humanidade é o seu carácter novo e incompleto, aberto e indeterminado. O ser humano é a criatura que simultaneamente é criadora de si própria. (...)
Se a humanidade não se perdeu, na exacta medida em que ainda não se havia encontrado, porquê então a existência de um mal-estar generalizado, um mal-estar perante o qual a nossa cultura, na multiplicidade das suas manifestações, parece querer desviar os olhos?
As respostas são também múltiplas. Por várias vezes, e de múltiplos modos, perdemos os instrumentos de navegação, e ficámos com o sentimento de que não rumamos para o cumprimento dum destino, mas antes que nos limitamos a andar à deriva.
Passemos em revista breve alguns dos sinais dessa constante perda de bússola, consitutiva do regime em que tem funcionado a cultura moderna:
a) Houve o claro sentimento/percepção de uma mudança de rota: a perda da noção de humanidade associada ao direito natural, como reacção à Revolução Francesa, que conduziu à manutenção do esclavagismo nos EUA, ao imperialismo-nacionalismo e colonialismo europeus, e ao climax de tudo isso no nazismo.
b) Crise da ideia de progresso como ideal-reitor, nas suas múltiplas formas.
c) Ruptura na ideia de confiança cega na aliança da ciência com a tecnologia (Chernobyl e contestação ecológica).
d) Descrença na ideia do papel libertador das instituições (crise do Estado): depois da passagem do Estado soberano, para o Estado nacional, vivemos no dilema de saber se a época que se abre aponta para um Estado cooperativo ou para uma estranha abolição do Estado, um recuo a uma nova era fragmentar?
e) Abandono da tese de um fim-da-história redentor e justificativo. As teodiceias laicas estão em agonia profunda. O que agora se pretende é que a história não acabe...
f) Crise na crença do papel dos valores éticos e solidários como factor de emancipação da humanidade: o testemunho contrário da fome e das múltiplas espécies de segregação subsistentes (nunca houve, simultaneamente, tanta riqueza, nem tanto sofrimento sobre a Terra...).
g) Cepticismo quanto à crença no valor principal da nossa tradição iluminista, quanto à razão como factor de transparência na condução da história humana e no alargamento da esfera controlada pela própria deliberação racional: A racionalidade parece subordinar-se ao primado de uma arquitectura pulsional, que parece estender-se não só ao individuo como à sociedade; parece termos passado da disciplina das paixões ao espectáculo da sua desinibição compulsiva.
h) Perda dos mecanismos de controlo democrático sobre a prospecção construtiva do futuro.
i) Desencanto no choque da globalização como experiência de dezenraizamento e injustiça em vez de comunhão e partilha.
j) Emergência de um profundo sentimento de culpa (mesmo que débil e confusamente formulado) em relação às gerações futuras e em relação às outras criaturas que a intensidade do nosso presente coloca em causa. É aí, aliás, que reside a demanda por um, ainda muito nebuloso, horizonte de desenvolvimento sustentável.
Em síntese: parece ter-se realizado uma das advertências nietzscheanas - perdemos Deus, mas ainda não ganhámos a altura e a distância em que poderíamos dispensar os ídolos.
Já não somos sociedades ávidas de progresso e de futuro, porque tememos a nossa transformação em sociedades devoradoras de futuro.

Viriato Soromenho-Marques (Univ. de Lisboa), Crise Ambiental e Condição Humana. Actas do colóquio Ética Ambiental: uma ética para o futuro. Coordenação de Cristina Beckert. 2001.
*(o negrito no texto é meu.)

terça-feira, janeiro 24, 2006

Conjugar Verbos

Deixo-vos uma sugestão.
Em caso de dúvidas na escrita, mais que não seja para aqueles que se preocupam minimamente com isto, até porque cultura não é só informação, é também saber usar a nossa língua - e já que por aqui todos se lêem uns aos outros, aprendendo (... ou desaprendendo) com isso - faz sentido apelar à responsabilidade em primar pelo mais correcto, e já agora, incondicional e/ou implicitamente, prestar um bom serviço público.
Encontrei este link sobre a conjugação de verbos, que é uma das nossas «desgraças» mais frequentes. Não está muito completo, e por tal, não deve dispensar a leitura a uma gramática, mas já é qualquer coisa para os entretantos.
Muitas vezes se lê, por exemplo: «andasse» em vez de «anda-se» ou vice-versa (entre outros verbos).
É frequente trocar-se o Imperfeito do Conjuntivo (andasse) pelo Presente Indicativo (anda-se) de verbos reflexos (aqueles onde recai a acção no sujeito: «eu lavo-me»; «tu lavas-te»; ...) ou trocá-lo pelo uso da particula apassivante «se» (por exemplo: «Em Portugal anda-se mal»), que substitui uma entidade indefinida.
Também me estive a informar com a Gata Preta que disto sabe muito mais do que eu!
Bom uso e aproveitem para dar uma vista de olhos e tirar dúvidas.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Mitos e Razões

"Uma vez que a lógica não é apenas argumento válido, mas também reflexão sobre os princípios da validade, esta só aparecerá naturalmente quando já existe à disposição um corpo considerável de inferências ou argumentos. A investigação lógica, a de pura narrativa, não é suscitada por qualquer tipo de linguagem. A linguagem literária não fornece material suficiente de argumentos e inferências. As investigações em que se pretende ou procura uma demonstração é que naturalmente dão origem à reflexão lógica, uma vez que demonstrar uma proposição é inferi-la validamente de premissas verdadeiras. Há duas condições para a demonstração, as premissas verdadeiras e os argumentos válidos.
Do ponto de vista lógico, a distinção importante é que a premissa demonstrativa é verdadeira e necessária enquanto a dialéctica não o é necessariamente. Na demonstração começamos com premissas verdadeiras e chegamos necessariamente a uma conclusão verdadeira, por outras palavras, temos uma demonstração. No argumento dialéctico, pelo contrário, não se sabe se as premissas são verdadeiras e não é necessariamente que a conclusão é verdadeira. Se nos aproximamos da verdade dialéctica é por via indirecta.
Existem 3 tipos diferentes de linguagem nas quais se procura ou se exige demonstração. Na matemática pura pretende-se demonstrar verdades abstractas e a priori, em metafísica pretende-se demonstrar proposições muito gerais sobre a estrutura do universo e, na linguagem de todos os dias, especialmente na linguagem política e jurídica, procura-se demonstrações de proposições contingentes."

William Kneale & Martha Kneale - O Desenvolvimento da Lógica (Gulbenkian)


"O mito surge-nos, deste modo, como uma conversão simbólica de atitudes e crenças próprias da consciência comum e/ou do imaginário social efectivo – conversão esta que se processa através de relatos orais colectivamente elaborados e aceites, e que propende, por vezes, a uma justificação a posteriori dos ritos e da própria ordem sócio-cultural vigente, e, de um modo mais geral, a dar (ou antecipar), resposta a inquietações comunitárias frequentemente ainda não formuladas, a respeito dos diversos níveis da condição humana e da sua inserção na ordem cósmica."

Francisco Sardo - Logos e Racionalidade (Casa da Moeda)

domingo, janeiro 08, 2006

...

Mostramos ser democráticos, acima de tudo, quando sabemos perder.
É saber aceitar as preferências dos outros e não assumir que a maioria é toda burra.
Iluminados são os candeeiros.

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Bom Ano!

Votos de sabedoria e de bom senso para 2006.
Boas entradas e divirtam-se muito!

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Julián Marías

«Muere el filósofo Julián Marías.
Madrid, 15 dic (EFE).- El filosofo y escritor Julián Marías murió esta mañana en Madrid en su domicilio familiar, a los 91 años, tras una larga enfermedad, informaron a Efe fuentes familiares. Los restos mortales de Marías serán trasladados al tanatorio de la Paz, en lacarretera de Colmenar, y serán enterrados mañana, viernes, en el cementeriomadrileño de la Almudena, aunque la hora está por precisar. Alumno y continuador de la obra filosófica de José Ortega y Gasset y XavierZubiri, Marías era miembro de la Real Academia de la Lengua desde 1964 y fuesenador por designación real de 1977 a 1979. Nacido en Valladolid, en 1914, el pensador es autor de numerosas obras, entrelas que destacan "Historia de la Filosofía", "Idea de la metafísica", "Laescuela de Madrid", "Antropología filosófica" y "España inteligible".»

sexta-feira, dezembro 09, 2005

segunda-feira, dezembro 05, 2005

O solitário

"O solitário leva uma sociedade inteira dentro de si: o solitário é multidão. E daqui deriva a sua sociedade. Ninguém tem uma personalidade tão acusada como aquele que junta em si mais generalidade, aquele que leva no seu interior mais dos outros. O génio, foi dito e convém repeti-lo frequentemente, é uma multidão. É a multidão individualizada, e é um povo feito pessoa. Aquele que tem mais de próprio é, no fundo, aquele que tem mais de todos, é aquele em quem melhor se une e concentra o que é dos outros.

(...) O que de melhor ocorre aos homens é o que lhes ocorre quando estão sozinhos, aquilo que não se atrevem a confessar, não já ao próximo mas nem sequer, muitas vezes, a si mesmos, aquilo de que fogem, aquilo que encerram em si quando estão em puro pensamento e antes de que possa florescer em palavras. E o solitário costuma atrever-se a expressá-lo, a deixar que isso floresça, e assim acaba por dizer o que todos pensam quando estão sozinhos, sem que ninguém se atreva a publicá-lo. O solitário pensa tudo em voz alta, e surpreende os outros dizendo-lhes o que eles pensam em voz baixa, enquanto querem enganar-se uns aos outros, pretendendo acreditar que pensam outra coisa, e sem conseguir que alguém acredite."

Miguel de Unamuno, in 'Solidão'

terça-feira, novembro 29, 2005

1 ano

1 ano de Filosofia.
Obrigado a todos que por cá passaram e aos que vão passando.

Bioética

Bioética ou ética da vida. A bioética pode ser definida como um estudo interdisciplinar que procura estabelecer as normas que devem reger a acção no campo da intervenção técnico-científica do homem sobre a sua própria vida.

Progressos.
O século XX foi marcado por enormes progressos no domínio das ciências médicas, que permitiram curar muitas doenças consideradas incuráveis e sobretudo prolongar a vida humana (aqui lembro Saramago, que em ficção, no seu novo livro «As Intermitências da Morte» trata o assunto).
Entre os avanços científicos que o permitiram destacam-se os seguintes:
- A introdução das sulfamidas e dos antibióticos que permitiram controlar as infecções.
- A substituição dos orgãos em falência (diálise, ventilação mecânica, transplantes de orgãos, etc).
- A identificação do código genético e das leis que presidem à formação da vida (inseminação artificial, engenharia genética, etc).
- O desenvolvimento das técnicas de diagnóstico (radiografias, ecografias, diagnóstico pré-natal, etc)
Estes extraordinários progressos alteraram por completo a pratica da medicina, que passou a contar com muitos mais agentes, assim como a própria relação do homem com a própria ciência.

Problemas Éticos.
A evolução das ciências médicas até ao século XX processou-se de um modo que não suscitou grandes problemas éticos, estando os princípios fundamentais consagrados no célebre "Juramento de Hipócrates". As experiências médicas eram realizadas e por serem muito limitadas, não suscitavam grandes problemas.
Os progressos que se registaram a partir do século XX só foram possíveis porque as ciências médicas passaram a ter uma enorme complexidade e a envolverem grandes interesses económicos, onde participam uma enorme rede de agentes (médicos, farmacêuticos, biólogos, químicos, engenheiros, etc) e instituições (empresas, fundações, universidades, etc). Os interesses passaram a ser múltiplos, e nem sempre prevalecem os do saber.
Na primeira metade deste século ocorreram muitas experiências científicas que colocaram em causa os princípios mais elementares da dignidade da pessoa humana. Os casos mais conhecidos, mas não os únicos, deram-se na Alemanha durante o domínio nazi (1933-1945) onde milhares de seres humanos foram mortos em experiências médicas.
Na segunda metade do século XX, permaneceram os avanços espectaculares na biologia, biotecnologia e medicina.
Ora muitos destes progressos continuam a usar seres humanos como cobaias, muitas vezes sem o seu conhecimento. A utilização de animais passou igualmente a ser questionada, sobretudo quando a estes são infligidos sofrimentos desmesurados.
Cresceram também de forma espectacular as indústrias ligadas às áreas da saúde, nomeadamente as empresas farmacêuticas que se tornaram verdadeiros potentados multinacionais. Fruto destes progressos científicos e do dinheiro delas obtido, muitas experiências passaram a ser feitas com um único objectivo: a projecção mediática (fama) e o lucro dos laboratórios, médicos ou cientistas que as realizam. As "doenças" passaram a ser um dos negócios mais lucrativos do mundo, facto que só por si alterou radicalmente as relações entre o médico e o doente. Este último sente-se frequentemente explorado por redes de interesses que apenas consegue vislumbrar os seus contornos.
O problema dos limites da ciência e das experiências médicas, assim como os interesses nelas envolvidas, passou a estar na ordem do dia.
Em muitas áreas tornou-se cada vez mais difícil compatibilizar o progresso científico com o respeito pela vida humana e os valores culturais assumidos como estruturantes das nossas sociedades.
A diversidade de temas abordados na bioética espelham melhor que nada a complexidade que adquiriram actualmente estes problemas.

Principais temas da bioética:
1. O diagnóstico pré-natal; conselhos genéticos; eugenia fetal; terapia genética; práticas abortativas; esterilização masculina e feminina por diversos motivos;
2. Reprodução humana "artificial" ou assistida em todas as suas modalidades e suas correspondentes implicações técnicas (bancos de esperma, bancos de embriões, mães de aluguer, etc);
3. Experiências com seres humanos, embriões e cadáveres em qualquer fase do ciclo vital:
4. Informações clínicas e a sua comunicação ao paciente; reanimação; eutanásia e direito a uma morte digna;
5. Terapia e manipulação genética em todas as suas formas;
6. Suicídio e ajuda ao suicídio;
7. Transplantes de orgãos humanos;
8. Trans-sexualidade:
9. Investigação e desenvolvimento de armas biológicas e químicas;
10. Biogenética animal e vegetal.

*texto retirado da Filosofia no Sapo.

sexta-feira, novembro 18, 2005

Mais uma explicação para França

"(...) Numerosos estudos internacionais - quer os de política educativa, quer os que incidem na avaliação dos desempenhos reais - e não só das classificações ou diplomas - dos alunos e das escolas (OCDE, IEA, Comissão Europeia) - alertam recorrentemente para os problemas agravados de exclusão social que o facto de não ter aprendido já está a provocar dramaticamente nas sociedades actuais. São já, na sua grande maioria, alfabetizados e escolarizados e escolarizados sem sucesso - na realidade, iletrados funcionais e desenraizados sociais - os elementos de todas as bolsas de exclusão ou marginalidade das sociedades actuais.

Nem a economia, nem o mercado de trabalho, nem o díficil equilíbrio das tensões sociais podem compadecer-se com a existência de bolsas crescentes desta população quase iletrada, afastada do acesso básico à informação e ao conhecimento, informação e conhecimento que se constituem hoje como a principal chave para a inclusão social, para a rentabilidade económica, e também para o bem-estar social e a estabilidade pessoal e profissional.

A mesma escola que se confrontou com a massificação do acesso à educação, desafio já genericamente superado, encontra-se hoje perante uma situação bem mais complexa: a premência da subida do nível educativo real das populações. Trata-se, assim, nos nossos dias, da necessidade de "massificar o sucesso", ou seja, garantir a todos uma qualidade educativa satisfatória, não podendo mais confinar-se a escola ao papel de assegurar uma socialização de base e uma instrução elementar para a maioria, com aprendizagem de melhor nível apenas reservada a alguns.

Em síntese, o grande problema da escola é hoje o de responder satisfatoriamente a todos, garantindo-lhes um bom apetrechamento educativo - sendo que esses todos são cada vez mais diferentes (Roldão, 1998)."

in
Roldão, Maria do Céu. Gestão Curricular, fundamentos e práticas. Ministério da Educação, 1999, pp.33.

Tolerância

*Este é o logo de 1995 - Ano da Tolerância - proclamado pelas Nações Unidas.
Imagem desenhada por Manuel Arquier.

*Estas são as bandeirinhas da Tolerância adoptadas pela UNESCO. Veja a sua significação.

HOW CAN INTOLERANCE BE COUNTERED?

1. Fighting intolerance requires law:
Each Government is responsible for enforcing human rights laws, for banning and punishing hate crimes and discrimination against minorities, whether these are committed by State officials, private organizations or individuals. The State must also ensure equal access to courts, human rights commissioners or ombudsmen, so that people do not take justice into their own hands and resort to violence to settle their disputes.

2. Fighting intolerance requires education:
Laws are necessary but not sufficient for countering intolerance in individual attitudes. Intolerance is very often rooted in ignorance and fear: fear of the unknown, of the other, other cultures, nations, religions. Intolerance is also closely linked to an exaggerated sense of self-worth and pride, whether personal, national or religious. These notions are taught and learned at an early age. Therefore, greater emphasis needs to be placed on educating more and better. Greater efforts need to be made to teach children about tolerance and human rights, about other ways of life. Children should be encouraged at home and in school to be open-minded and curious.
Education is a life-long experience and does not begin or end in school. Endeavours to build tolerance through education will not succeed unless they reach all age groups, and take place everywhere: at home, in schools, in the workplace, in law-enforcement and legal training, and not least in entertainment and on the information highways.

3. Fighting intolerance requires access to information:
Intolerance is most dangerous when it is exploited to fulfil the political and territorial ambitions of an individual or groups of individuals. Hatemongers often begin by identifying the public's tolerance threshold. They then develop fallacious arguments, lie with statistics and manipulate public opinion with misinformation and prejudice. The most efficient way to limit the influence of hatemongers is to develop policies that generate and promote press freedom and press pluralism, in order to allow the public to differentiate between facts and opinions.

4. Fighting intolerance requires individual awareness:
Intolerance in a society is the sum-total of the intolerance of its individual members. Bigotry, stereotyping, stigmatizing, insults and racial jokes are examples of individual expressions of intolerance to which some people are subjected daily. Intolerance breeds intolerance. It leaves its victims in pursuit of revenge. In order to fight intolerance individuals should become aware of the link between their behavior and the vicious cycle of mistrust and violence in society. Each one of us should begin by asking: am I a tolerant person? Do I stereotype people? Do I reject those who are different from me? Do I blame my problems on 'them'?

5. Fighting intolerance requires local solutions:
Many people know that tomorrow's problems will be increasingly global but few realize that solutions to global problems are mainly local, even individual. When confronted with an escalation of intolerance around us, we must not wait for governments and institutions to act alone. We are all part of the solution. We should not feel powerless for we actually posses an enormous capacity to wield power. Nonviolent action is a way of using that power-the power of people. The tools of nonviolent action-putting a group together to confront a problem, to organize a grassroots network, to demonstrate solidarity with victims of intolerance, to discredit hateful propaganda-are available to all those who want to put an end to intolerance, violence and hatred.

terça-feira, novembro 15, 2005

Dia Mundial da Filosofia - Atelier de Filosofia

Dia Mundial da Filosofia
Proclamado pela UNESCO
17 de Novembro de 2005
“[...] A filosofia é uma ‘escola da liberdade’ [...], uma escola da solidariedade humana. [...] O ensino da filosofia contribui para a formação de cidadãos livres.”
(UNESCO, Dezembro, 2004)

Atelier de Filosofia
Universidade dos Açores

O “Dia da Filosofia” começou a ser celebrado pela UNESCO desde o ano de 2002. Porém, apenas no passado mês de Outubro de 2005, por ocasião da 33ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, foi formalmente proclamado, passando a ser assinalado na terceira quinta-feira do mês de Novembro. No próximo dia 17 de Novembro celebra-se, pela primeira vez a título oficial, o Dia Mundial da Filosofia.
O Grupo de docentes de Filosofia e os alunos do Seminário de Licenciatura em Filosofia, da Universidade dos Açores, vão assinalar este Dia através da organização de um Atelier de Filosofia que, como a designação sugere, consiste num conjunto de actividades destinado a permitir aos alunos relacionarem-se com o pensamento filosófico de uma forma interactiva. Para o efeito, estarão montadas cinco “bancas de trabalho”: “o Passeio dos Filósofos” (reprodução do “Jogo da Glória”); “Ver, Ouvir e Pensar” (combinação de imagens, textos e música); “Muda de Canal” (apreciação de anúncios publicitários); “Jogos de Pensamento” (construção de palavras cruzadas e banda desenhada); “Forum de discussão” (diálogo polémico). Paralelamente, apresentar-se-ão dois posters temáticos, um dedicado a Jean-Paul Sartre, cujo centenário do nascimento se celebra em 2005, e um outro dedicado a Paul Ricoeur, falecido no presente ano.
No dia 17 de Novembro, a Universidade dos Açores manterá um “espaço aberto” (Edifício da Aula Magna), das 9:30 às 17:30 horas, convidando todos os interessados a visitarem e a “trabalharem” nas diversas bancas deste Atelier de Filosofia.
Convidamo-los para uma experiência única!

Maria do Céu Patrão Neves
(Organização)

segunda-feira, novembro 14, 2005

A Sexualidade Humana

Mais um documento de referência, desta feita, elaborado pelo Prof. Doutor Michel Renaud.
A quem possa interessar, favor ver na página do CNECV.

terça-feira, novembro 08, 2005

Da gestação ao colapso

«O acontecer histórico não é um fenómeno de geração espontânea ou de produção brusca. Não resulta também da simples associação de vontades, nem se esgota com a própria vivência. Germina lentamente, sem prejuízo dum eventual momento explosivo. A sua energia projecta-o para além de si mesmo, marcando, de um modo ou de outro, o devir histórico.»

Graça e J.S. da Silva Dias, in Os primórdios da Maçonaria em Portugal, vol I, tomo II. Lisboa 1986.

sábado, outubro 22, 2005

Dignidade Humana

"Em resumo, o termo Dignidade Humana é o reconhecimento de um valor. É um princípio moral baseado na finalidade do ser humano e não na sua utilização como um meio. Isso quer dizer que a Dignidade Humana estaria baseada na própria natureza da espécie humana a qual inclui, normalmente, manifestações de racionalidade, de liberdade e de finalidade em si, que fazem do ser humano um ente em permanente desenvolvimento na procura da realização de si próprio. Esse projecto de auto-realização exige, da parte de outros, reconhecimento, respeito, liberdade de acção e não instrumentalização da pessoa. Essa auto-realização pessoal, que seria o objecto e a razão da dignidade, só é possível através da solidariedade ontológica com todos os membros da nossa espécie. Tudo o que somos é devido a outros que se debruçaram sobre nós e nos transmitiram uma língua, uma cultura, uma série de tradições e princípios. Uma vez que fomos constituídos por esta solidariedade ontológica da raça humana e estamos inevitavelmente mergulhados nela, realizamo-nos a nós próprios através da relação e ajuda ao outro. Não respeitaríamos a dignidade dos outros se não a respeitássemos no outro.
Na ética moderna, a dignidade humana exprime-se em um 'nós-humanidade' que não é a soma dos 'eus' individuais. Segundo Levinas, "'nós' não é o plural de 'eu'". O ponto de partida para a expressão dessa dignidade situa-se na totalidade dos seres humanos e por isso foi possível afirmar-se que enquanto um ser humano não for livre, nenhum ser humano será livre.
A socialização não é porém uma diluição do 'eu' no conjunto da comunidade humana. Como vemos todos os dias, todo o ser humano aspira a repetir o seu "paraíso perdido", que foi a fusão total com a mãe. Daí a procura, por vezes desenfreada, de uma relação dual. Ora, o indivíduo acede à sua condição de ser único quando torna possível essa passagem da fusão com a mãe à autonomia. É a aprendizagem do 'eu/tu' que Martin Buber tão eloquentemente descreveu e onde alicerçou as condições indispensáveis para a alteridade efectiva. Quanto maior e mais alargado for o número de pessoas com quem estabelecemos a relação 'tu/eu', maior é a nossa participação na noosfera e mais forte é a nossa dignidade humana.
Foi esta noção de uma camada de humanos que envolve toda a Terra que Teilhard de Chardin chamou a noosfera. Ela é interdependente da biosfera e da atmosfera. A evidência desta afirmação encontra-se no nosso quotidiano (vivemos das espécies biológicas e respiramos porque imersos na atmosfera). Mas também a encontramos em certas manifestações religiosas que têm marcado profundamente algumas civilizações. Assim, por exemplo, no Budismo não há separação entre o humano e toda a realidade natural que o rodeia. No nosso tempo, esta interdependência é sentida através da acção nefasta do humano sobre a biosfera e sobre a atmosfera. Daí poder inferir-se que a contribuição para a integridade e diversidade das espécies biológicas e para o equilíbrio da atmosfera é, afinal, também contribuir para a defesa da dignidade humana."

Prof. Doutora Teresa Joaquim, in Documento de trabalho: 26/CNECV/99;
REFLEXÃO ÉTICA SOBRE A DIGNIDADE HUMANA

Príncipio da Autonomia


"Não te dei, ó Adão, nem rosto, nem um lugar que te seja próprio,
nem qualquer dom particular, para que teu rosto, teu lugar e teus
dons, os desejes, os conquistes e sejas tu mesmo a possui-los.
Encerra a natureza outras espécies em leis por mim estabelecidas.
Mas tu, que não conheces qualquer limite, só mercê do teu arbítrio,
em cujas mãos te coloquei, te defines a ti próprio. Coloquei-te no
centro do mundo, para que melhor possas contemplar o que o mundo
contém. Não te fiz nem celeste nem terrestre, nem mortal nem
imortal, para que tu, livremente, tal como um bom pintor ou um hábil
escultor, dês acabamento à forma que te é própria".

Pico de la Mirandola

quarta-feira, outubro 19, 2005

Linguagem

A reflexão sobre a linguagem é antiga, mas as definições clássicas da linguagem eram muito gerais (faculdade de expressão verbal do pensamento, etc), confundindo-se língua com linguagem. É com o Cours de linguistique générale (1916) de Saussure, fundador da linguistica, que se define a linguagem na sua especificidade, como faculdade de constituir um língua. Desde então, linguagem e língua estão dissociadas e esta ruptura marcou todo o pensamento contemporâneo. Linguagem era sinónimo de língua antes de Saussure, depois deste, toma outra acepção. É a faculdade de comunicar o pensamento por um sistema de signos (ex: Gestual, que não é universal, cada língua tem as suas convenções próprias, gestos próprios), e em particular por meio da língua (conjunto de convenções adoptadas pelo corpo social) associada à palavra (meio verbal individual de expressão). Faculdade de constituir uma língua.

"O que é a língua? Para nós, não se confunde com linguagem, porque é somente uma parte determinada dela, embora essencial. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adoptadas pelo corpo social para permitir o exercício desta faculdade entre os indivíduos."
(Saussure, Cours de linguistique générale, p.25, Payot)

A semiologia

Vem do grego sèmeion - «sinal» e logos - «estudo», «ciência» ou «razão». É a chamada ciência dos sinais que estuda a organização dos sistemas significantes.
O projecto de uma semiologia geral foi fundado pelo linguista Ferdinand de Saussure. Diz-nos ele que se a língua é um sistema organizado de signos arbitrários, dos quais podemos estudar as relações (e não apenas a sua evolução), é, então possível estudar da mesma maneira todos os sistemas de sinais que regem a vida social (gestos, roupas, regras de boa educação, etc.). Nesta perspectiva, a linguistica, na medida em que tem por objecto a estrutura da língua, é apenas uma parte da semiologia, mesmo se essa parte seja exemplar e sirva de modelo.

As tautologias

Como a inferência é sempre verdadeira, quaisquer que sejam os valores de verdade atribuídos às proposições, chamar-se-á tautologia. Seja por exemplo o seguinte raciocínio: «Se o Pedro ama a Maria; o Paulo é solteiro; ora Paulo não é solteiro; então o Pedro não ama a Maria»: que, no mundo real, Pedro ame ou não a Maria, que Paulo seja ou não solteiro, o cálculo será sempre válido. Será o mesmo, independentemente do sentido dado a «Pedro», «Maria», «ama», «solteiro», etc.
Vazias de qualquer conteúdo, as tautologias não são de todo desprovidas de utilidade. Constituem pelo contrário as leis lógicas na base das quais operam as regras do cálculo. Mais geralmente, formulam os princípios lógicos que permitem raciocinar correctamente e justificar a correcção dos nossos raciocínios.

A lógica como cálculo

Como toda a escrita simbólica, a lógica serve para calcular e/ou manipular os símbolos, de forma a chegar, através de procedimentos mecânicos, a um resultado indiscutível.
Leibniz foi o primeiro, no século XVIII, a querer estender a ideia de cálculo a um domínio mais lato do que o dos números e das quantidades, e a projectar construir uma «álgebra do pensamento». Da mesma forma que na aritmética, por exemplo, a «sintaxe» - ou seja, as regras de utilização dos sinais =, +, -, x, : - permite calcular de uma forma precisa os números, - é possível definir um conjunto de proposições relacionadas de maneira regrada, graças a conectores lógicos: ~ (negação), & (deveria ser um v ao contrário, mas não o descubro. leia-se "e"), v (ou), => (implicação - se... então...), <=> (consequência), etc. O emprego destes conectores permite-nos transformar as proposições e operar sobre elas como se fossem fórmulas.

Língua natural e língua simbólica

Embora o silogismo seja formal (podemos substituir os termos por variáveis), Aristóteles concebia-o como um instrumento da ciência (as obras lógicas de Aristóteles são conhecidas por nós sob o nome de Organon, que significa «instrumento»). Era então, para ele, inquestionável construir silogismos válidos a partir de proposições falsas «materialmente», ou mesmo a partir de simples «formas proposicionais». A lógica moderna libertar-se-á definitivamente deste ponto de vista «realista».

A proposição e o silogismo

Contrariamente a uma ideia corrente, a lógica não saiu acabada da obra de Aristóteles. Mas a sua contribuição foi fundamental. Consistiu na teoria da proposição e do silogismo.
Um raciocínio encadeia as prposições. Uma proposição é aquilo que é enunciado numa frase declarativa (afirmativa ou negativa), ou seja, susceptível de ser verdadeira ou falsa (nem todas as frases são declarativas: uma oração, uma ordem, um encorajamento, por exemplo, não são proposições). A forma mais simples (mas não a única) da proposição parece ser a forma predicativa: aquela em que atribuímos uma propriedade P (predicado) a um sujeito S através de um verbo (ligação): S é P.
O silogismo é um raciocínio que, a partir de proposições dadas (as premissas), estabelece uma conclusão necessária, recorrendo apenas aos dados de partida.

A lógica, ciência formal

A lógica é formal: trata da forma dos raciocínios, independentemente do seu conteúdo ou dos objectos aos quais se referem. É então necessário distinguir a validade formal de um raciocínio da verdade «material» das proposições que o constituem.
Seja, por exemplo, o seguinte raciocínio: «Todos os tubarões são pássaros; o meu peixe vermelho é um tubarão; então o meu peixe vermelho é um pássaro». Nenhuma destas três proposições é verdadeira «materialmente», ou seja, está em conformidade com a realidade; mas o encadeamento que as une umas ás outras é, na forma, válido: a terceira proposição é a consequência necessária das duas primeiras. Inversamente, um raciocínio como: «Todos os bretões são europeus; todos os franceses são europeus; todos os bretões são franceses» é constituído por três proposições, cada uma delas verdadeira «materialmente», mas que são ligadas por uma inferência não válida (de os franceses e os bretões são europeus, não se pode concluir que os bretões são franceses).
Para melhor salientar o aspecto formal dos raciocínios, é preferível enunciá-los sob uma forma hipotética («Se todos os tubarões são pássaros...»): isto significa claramente que não nos pronunciamos sobre a verdade de cada proposição, mas unicamente sobre a validade da conclusão.
Um outro meio, ainda mais claro, é o de substituir os termos das proposições («pássaros», «tubarões», «franceses», etc.) pelas variáveis, ou seja, por letras simbólicas (a, b, c...) que podem receber qualquer significado. Falaremos, então, menos de «proposição» do que de «forma proposicional». As variáveis designam os espaços vazios que podem ser preenchidos por um qualquer conteúdo. Teremos então descoberto "um modelo de raciocínio, que dará origem a um raciocínio logo que se considere uma matéria. Mas qualquer que seja a matéria o raciocínio será bom, porque a sua validade depende apenas do modelo que se mantém invariante" (R. Blanché, Introduction à logique contemporaine).
A lógica parece então oferecer a possibilidade de construção dos encadeamentos válidos não apenas com proposições falsas, mas mesmo com frases que não querem dizer nada.

A lógica

A lógica é a ciência das inferências válidas.
Inferência do latim inferre «levar para» - é uma operação do espírito pela qual se conclui através duma ideia para outra. A inferência é dedutiva, ou demonstrativa, quando a conclusão é logicamente necessária (como num silogismo, por ex.). É indutiva, ou não demonstrativa, quando a conclusão não é mais do que provável ou verosimilhante (ex: Infiro a existência dum cão se ouço ladrar).
Uma inferência é válida quando está em conformidade com os procedimentos que governam o pensamento correcto. O objecto da lógica é então de destrinçar as leis que autorizam estes procedimentos, de os explicar e de os formular.
Aristóteles foi o primeiro a tentar uma tal explicitação. Isto não significa que antes dele, não se raciocinasse logicamente, pode-se raciocinar logicamente sem se fazer lógica, da mesma forma que se pode falar correctamente sem se ter um conhecimento teórico das regras da gramática.
A lógica permite, no entanto, evitar (ou recusar) os paralogismos, ou seja, os raciocínios que consideram apenas a aparência de correcção. Neste sentido, a lógica é uma disciplina normativa: indica quais são as regras que devemos seguir se quisermos raciocinar «bem».

terça-feira, outubro 18, 2005

Falácias Indutivas

Generalização precipitada:
A amostra resultante por esta generalização è demasiado limitada e usada com o intuito de se obter conclusões tendenciosas.
ex1: A pessoa x de cor negra foi apanhada a roubar
ex2: Um ucraniano foi apanhado embriagado a conduzir e tentou sobornar um GNR, portanto todos todos os ucranianos além de bêbados tentam subornar GNR's.
ex3: O Gil e o Jaime que são bons alunos tiveram negativa a lógica por isso todos os outros também terão.

Amostra limitada:
Limita-se a amostra face à população fazendo crer que ela é representativa.
ex: A fruta do cimo desta caixa está em boas condições por isso todas as outras frutas também devem estar.

Falsa analogia:
Resulta do abuso de semelhanças existentes entre 2 ou mais objectos, extrapolando-as a todas as suas propriedades, de modo a que as próprias semelhanças percam a sua eficácia resultante da substimação das diferenças.
ex: Os empregados são como os pregos; temos que martelar na cabeça dos pregos para que estes desempenhem a sua função, logo, temos que martelar na cabeça dos empregados!

Indução preguiçosa:
A conclusão apropriada dum argumento indutivo é negada, apesar dos factos.
ex1: A pessoa X foi enganada "n" vezes pelo seu namorado, mas apesar disso recusa-se a admitir que aquele lhe é infiel.
ex2: A pessoa X teve 10 acidentes nos últimos meses. Todavia, rejeita que tenha qualquer culpa e atribui a culpa aos outros.

Omissão de provas ou exclusão:
Excluem-se dados importantes que se conhecidos destruiriam o argumento indutivo, baseiam-se em probabilidades e não em certezas.
ex: A equipa X ganhou 9 dos 10 jogos realizados portanto é provável que ganhem o próximo jogo.

Processos e métodos do raciocínio lógico

A dedução é um processo mental que vai do geral para o mais particular, a matemática e a lógica utilizam geralmente teoremas, postulados, definições, axiomas, princípios, regras, teorias e leis.
O método indutivo, ao contrário do dedutivo, parte do particular para o geral.
Como métodos científicos e humanos que são, são também falíveis. Assim, tendo em conta que a realidade (natureza, cultura e razão) e a ciência são mutáveis, que estão em constante devir, estes métodos merecem a nossa credibilidade e atenção, mas sempre em aberto e nunca de uma forma estática.
Não se pode dizer que o raciocínio dedutivo seja melhor que o indutivo ou do que o abdutivo/metalógico/analógico, pois todos são considerados por diversas ciências em toda a sua importância. Todos são usados por nós, e valem o que valem, como entendimento no discurso escrito ou falado. Registe-se que a dedução é usada como método das ciências exactas, a indução pelas ciências naturais e a abdução (analogia) pela literatura, poesia e ficção.
O que aqui se pretende é apontar exemplos de algumas falácias (raciocínios ilegítimos), tipícas do raciocínio humano, que se deixa por muitas vezes enevoar na ausência de ginástica mental.
Apesar de haver quem defenda que existem várias lógicas de agir (e por falar nisso, esta é uma falácia - que me perdoem, pois não me ocorre o nome dos referidos), estas falácias são próprias do raciocínio e não estão sujeitas ao relativismo cultural, já que se provam facilmente pela veracidade quer das premissas silogísticas, quer através da lógica binária nas suas tabelas de verdade.

Falácias Dedutivas III

Fuga ao assunto ou fora de alvo:
Ataques pessoais ou «Argumentum ad Hominem»
Ataca-se a pessoa que apresentou certo argumento e não o argumento que esta apresentou. Esta falácia assume várias formas podendo atacar por exemplo: o carácter, a nacionalidade, a étnia, a religião, entre outros.
As principais formas variantes desta falácia são 3:
1) o ataque abusivo, ataque à pessoa
2) o ataque circunstancial, ataque às circunstâncias
3) ataque «tu quoque» que é um ataque à pessoa, mas notando a incongruência daquilo que diz.
ex1: Podes dizer que Deus não existe porque apenas segues o ateísmo.
ex2:É natural que um ministro afirme que a política fiscal é boa porque nunca será atingido por ela.
ex3: Ele critica que eu bebo, mas ele não está sóbrio há mais de um ano.

Apelo à autoridade:
«Argumentum ad verecundiam»
Ainda que às vezes seja apropriado citar uma autoridade, todavia, na maior parte dos casos não é correcto. Mesmo que essas pessoas sejam uma autoridade no assunto ou área, não quer dizer que o sejam em todo o resto.
O apelo à autoridade é especialmente impróprio se:
1) a pessoa não estiver qualificada no assunto
2) não haver acordo entre peritos naquela área
3) a autoridade não pode ser invocada se estava a brincar ou ébria
Uma variante desta falácia é "ouvi dizer" ou "diz-se que". Está associada a 2 outras, a «ad antiquitatem» (antiguidade) e à «ad novitatem» (novidade).
ex1: O geocentrismo e o geoestacionarismo só podem estar correctos porque tanto Aristóteles como Ptolomeu os defenderam.
ex2: É impossível que o sol não gire e que a terra não esteja parada porque os sentidos assim o demostram.
ex3: Todas as verdades de fé reveladas na Biblia são verdadeiras porque são de inspiração divina.

Autoridade anónima ou apelo ao rumor:
É uma forma de apelo à autoridade, contudo a autoridade é anónima, sendo impossível confirmar se se trata dum perito ou não. Aliado a esta falácia está o apelo ao rumor. Como se trata duma fonte dúbia, duvidosa, é impossível saber se o mesmo é credível ou não. Muitas vezes os rumores não passam de falsos, de calúnias, de injúrias difamatórias, lançados com a intenção de desacreditar o oponente.
ex: Um membro do governo disse hoje que uma nova lei sobre posse e uso de armas será aprovada amanhã.
- "diz-se" e "sabe-se" também são de uso costume.

Estilo sem substância:
Em vez de ser o conteúdo e a matéria de um argumento a legitimar as suas ideias, pretende-se pelo contrário, que seja o modo do argumento ou o argumentador que o apresenta a legitimá-lo. Ou seja, a sua forma e estilo é que deverão contribuir para a verdade da conclusão.
ex1: A personalidade X perdeu o emprego porque estava a transpirar na entrevista
ex2: Aquela pessoa deve ser boa e inteligente pois cativa pela beleza e elegância

Falácias Dedutivas II

Apelo a motivos em vez de razões:

«Argumentum ad Misericordium» Apelo à piedade ou suplica especial
Pede-se a aprovação do auditório na base do estado lastimoso do autor, exortando-se à piedade e à compaixão para aceitarem a sua conclusão.
ex: Espero que aceite as nossas argumentações pois passei os últimos 3 meses a trabalhar arduamente nesse relatório.

«Argumentum ad Consequentiam»
É uma variável do argumento anterior (ad vaculum) que consiste no argumentador, que para mostrar que uma crença é falsa, aponta consequências desagradáveis para quem a defender.
ex: Deves acreditar em Deus porque de outro modo a vida não teria sentido.

Apelo a preconceitos:

Determinados termos, carregados e emotivos, são utilizados para ligar valores morais à crença na verdade duma proposição.
ex: As pessoas razoáveis concordarão com a nossa política fiscal.

Apelo ao povo ou à sua emoção:

«Argumentum ad populum»
Sustenta-se que uma proposição é verdadeira por ser aceite por grande parte da população. Também se denomina de emotivo porque se apela à quantidade em vez da veracidade do argumento.
ex: Como é do conhecimento geral... então também deves...
Se 10 milhões da população de Portugal acredita em... como pode você não acreditar?

Falácias Dedutivas I

Falácias de dispersão ou manobras de diversão:
É dado um limitado número de opções, geralmente duras, quando na realidade existem muitas mais. O falso dilema é o uso ilegítimo do operador «ou».
ex: Uma pessoa ou é boa ou é má.

Apelo à ignorância:
Os argumentos deste tipo concluem que algo é verdadeiro por não se ter provado que é falso, ou conclui que algo é falso porque não se provou que é verdadeiro, quando na realidade a falta de provas não é sustentável - não sendo em si mesma uma prova.
ex: Os fantasmas existem! Já provaste que não existem?

Derrapagem ou bola de neve:
Para mostrar que uma proposição é inaceitável, extraem-se consequências inaceitáveis da mesma - consequências das consequências. Ora, o argumento torna-se falacioso quando pelo menos 1 dos seus passos é falso ou duvidoso, mas a falsidade de uma ou mais premissas é ocultada pelos vários passos que constituem todo o argumento.
ex: Se aprovarmos leis contra as armas automáticas, não demorará muito até aprovarmos leis contra todos os nossos direitos. Acabaremos por viver num Estado totalitário. Portanto, não deveremos banir as armas automáticas.

quinta-feira, outubro 06, 2005

Sobre a Política

"O nosso engenho todo se esforça em pôr as coisas numa perspectiva tal, que vistas de um certo modo, fiquem a parecer o que nós queremos que elas sejam, e não o que elas são."

Matias Aires, Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens e Carta Sobre a Fortuna

sexta-feira, setembro 16, 2005

Pensamento do Dia

"Não se pode ajudar continuamente as pessoas fazendo o que elas deviam fazer por si próprias.”
Abraham Lincoln

«O Argumento da Aposta» de Pascal

"Todos os argumentos a favor e contra a existência de Deus que examinámos até agora pretendem demonstrar que Deus existe ou que Deus não existe. Todos eles pretendem dar-nos conhecimento da sua existência ou não existência. O argumento do apostador, derivado da obra do filósofo e matemático Blaise Pascal (1623-1662), habitualmente conhecido como aposta de Pascal, é muito diferente dos outros. O seu objectivo não é proporcionar uma demonstração, mas antes mostrar que um apostador sensato deveria «apostar» na existência de Deus.
O argumento parte da posição de um agnóstico, isto é, alguém que acredita que não existem dados suficientes para decidir se Deus existe ou não. Um agnóstico acredita que é genuinamente possível que Deus exista, mas que não há dados suficientes para decidir a questão com toda a certeza. Um ateu, pelo contrário, acredita geralmente que existem dados conclusivos a favor da inexistência de Deus.
O argumento do jogador é o seguinte. Uma vez que não sabemos se Deus existe ou não, estamos numa posição muito semelhante à de um apostador antes de uma corrida de cavalos se ter realizado ou antes de uma carta ter sido voltada. Precisamos por isso de calcular as hipóteses que temos. Mas ao agnóstico pode parecer que tanto a existência como a inexistência de Deus são igualmente prováveis. A atitude do agnóstico consiste em ficar indeciso, sem tomar nenhuma decisão em nenhuma das direcções. O argumento do apostador, contudo, afirma que a coisa mais racional a fazer é procurar que a hipótese de ganhar seja tão grande quanto possível, ao mesmo tempo que a possibilidade de perder seja tão pequena quanto possível: por outras palavras, devemos maximizar os ganhos possíveis e minimizar as perdas possíveis. De acordo com o argumento do apostador, a melhor forma de alcançar este objectivo é acreditar em Deus.
Há quatro resultados possíveis. Se apostarmos na existência de Deus e ganharmos (i. e., se Deus existir), ganhamos a vida eterna — um excelente prémio. O que perdemos se apostarmos nesta opção e verificarmos que Deus não existe não é muito, se compararmos com a possibilidade da vida eterna: podemos perder alguns prazeres mundanos, perder muitas horas a rezar e viver as nossas vidas debaixo de uma ilusão. Contudo, se escolhermos apostar na opção da inexistência de Deus e ganharmos (i. e., se Deus não existir), viveremos uma vida sem ilusão (pelo menos neste aspecto) e teremos a liberdade de gozar os prazeres desta vida sem medo do castigo divino. Mas, se apostarmos nesta opção e perdermos (i. e., se Deus existir), perdemos pelo menos a possibilidade da vida eterna e podemos mesmo correr o risco da condenação eterna.
Pascal defendeu que, enquanto apostadores perante estas opções, o curso de acção mais racional será acreditar que Deus existe. Assim, se tivermos razão, estaremos em posição de obter a vida eterna. Se apostarmos na existência de Deus e não tivermos razão, não estaremos em posição de perder tanto quanto estaríamos se escolhêssemos acreditar na inexistência de Deus e não tivéssemos razão. Logo, se queremos maximizar os nossos ganhos possíveis e minimizar as nossas perdas possíveis, devemos acreditar na existência de Deus."
*Ver também as críticas aos argumentos.