O suicídio è como o mergulho, o extremo limite da aceitação. Tudo está consumado, o homem entra de novo na sua história essencial, avista o seu futuro e nele se precipita, no seu único e terrível futuro. O suicídio resolve à sua maneira o absurdo, arrasta-o para a mesma morte mas também se sabe que para manter o absurdo este não pode resolver-se. Escapa ao suicídio na medida em que è, ao mesmo tempo, consciência e recusa da morte, è como a corda que apesar de tudo ele avista à beira do precipício, da sua queda.
Antes de encontrar o absurdo, o homem quotidiano vive com finalidades, com uma preocupação de futuro ou justificação (não importa a quem ou a quê), ele avalia as suas possibilidades, conta com o mais tarde, com a sua reforma ou com o trabalho dos filhos. Ainda julga que qualquer coisa na sua vida se pode dirigir, na verdade age como se fosse livre, mesmo que todos os factos se encarreguem de contradizer tal liberdade.
Depois do absurdo, tudo fica abalado. A ideia de que “sou”, a minha maneira de agir como se tudo tivesse um sentido (mesmo sabendo por vezes que nada o tem), tudo isto se encontra desmentido de maneira vertiginosa pelo absurdo de uma morte possível.
Pensar no amanhã, ter objectivos, ter preferências, tudo isto supõe a crença na liberdade, mesmo que ás vezes as pessoas se certifiquem que não a experimentaram. Mas nesse momento, essa liberdade superior, essa liberdade de ser que è a única a poder fundar uma verdade, sabe-se que não existe. A morte está sempre ali como única realidade, depois dela, já não sou livre de me perpetuar, mas escravo e sobretudo escravo sem esperança de revolução eterna, sem recurso ao desprezo. Que liberdade pode existir no sentido pleno, sem seguro de eternidade? O homem absurdo compreende que até aqui estava ligado a este postulado de liberdade e que vivia nessa ilusão, isso constrangia-o de certa forma, na medida em que imaginava uma finalidade para a sua vida, conformava-se com as exigências de uma finalidade a alcançar e tornava-se escravo da sua liberdade.
O homem absurdo compreende que não era verdadeiramente livre, o absurdo elucida no ponto em que não há amanhã, eis daqui em diante a razão da verdadeira e profunda liberdade.
Como na sua obra “o estrangeiro” em que Albert Camus nos fala da disponibilidade divina do condenado à morte diante do qual se abrem, numa certa madrugada, as portas da prisão, esse incrível desinteresse perante tudo, salvo a chama pura da vida, a morte e o absurdo são aqui, bem como o sentimos, os princípios da única liberdade razoável: a que um coração humano pode sentir e viver. O homem absurdo entrevê assim um universo ardente e gelado, transparente e limitado, em que nada è possível mas tudo è concedido e após o qual só há o desmoronamento e o nada. Ele pode então decidir-se a aceitar viver em tal universo e tirar dele as suas forças, a sua recusa à esperança e o testemunho obstinado de uma vida sem consolação.
Para Camus, há um duplo absurdo, o do sentimento e o do espirito. O primeiro è o sentimento da divergência que há entre o homem e a sua vida. O absurdo do espirito è a desproporção entre os anseios humanos e a realidade, o contraste entre as reais forças do homem e os seus objectivos. O absurdo em Camus surge sempre da confrontação entre a acção humana e a realidade. Deve o homem permanecer numa vida assim absurda, num mundo falhado de sentido ou deve abandoná-lo pelo suicídio?
Camus decide-se não pelo suicídio mas pela revolta, pela sua liberdade e pela sua paixão. Por meio do suicídio teria a falsa esperança de levar o absurdo consigo para a morte. Mas o absurdo só tem sentido na medida em que o homem o conserva, na medida em que nunca se conforma com ele e contra ele se revolta permanentemente.
O homem é a presa eterna da sua verdade, quem alguma vez conheceu o absurdo a ele ficará para sempre desesperadamente ligado.
Em Camus, o absurdo não conduz a Deus, pelo contrário, a vida não precisa de sentido para ser vivida, e como viver? Devo viver em liberdade pois não há Deus acima de mim. As verdades eternas nada dizem ao pensador absurdo, ele recusa-se a saltar para o religioso porque não sabe saltar bem e o lado de lá è incerto. O homem Camusiano vive e age de uma forma inteiramente livre pois o amanhã não existe, a morte è a única realidade e a nossa vida è uma vida sem apelo. Não há Deus, não há ordem de valores. Pela paixão substitui-se a qualidade pela quantidade de vida, viver, não o melhor possível mas o mais possível. Esgotar todas as possibilidades de vida, os juízos de valor não interessam, só contam os juízos de facto.
O presente e a sucessão de momentos perante uma alma clarividente são o ideal do homem absurdo. Só este momento da vida conta e a morte vence-se pelo desprezo. O homem absurdo deve estar pronto a responder pelas suas acções e a sofrer as suas consequências. Em suma, o carácter representativo dessa existência como fim absurdo è esgotar bem a vida que se tem, em papeis sempre variados, sobreviver o mais tempo possível.
1 comentário:
Quem não o é?
No fundo somo-lo todos, mas o que nos distingue realmente uns dos outros, não é mais que o "agarrar o touro pelos cornos" e ganhar ao touro.
Não é difícil quando se percebe o que é realmente importante na vida, e isso meu amigo, é o ouro dos alquimistas, um pathos que cada um descobre apenas por si mesmo. Um pathos de que cada um é sempre, em última instância, o seu juíz final.
Enviar um comentário