quinta-feira, janeiro 27, 2005

Orientar Filosoficamente a Vida

A ânsia de uma orientação filosófica da vida nasce da obscuridade em que cada um se encontra, do desamparo que sente quando, em carência de amor, fica o vazio, do esquecimento de si quando, devorado pelo afadigamento, súbito acorda assustado e pergunta: que sou eu, que estou descurando, que deverei fazer?
O auto-esquecimento é fomentado pelo mundo da técnica. Pautado pelo cronómetro, dividido em trabalhos absorventes ou esgotantes que cada vez menos satisfazem o homem enquanto homem, leva-o ao extremo de se sentir peça imóvel e insubstituivel de um maquinismo de tal modo que, liberto da engrenagem, nada é e não sabe o que há-de fazer de si. E, mal começa a tomar consciência, logo esse colosso o arrasta novamente para a voragem do trabalho inane e da inane distracção das horas de ócio.
Porém, o pendor para o auto-esquecimento é inerente à condição humana. O homem precisa de se arrancar a si próprio para não se perder no mundo e em hábitos, em irreflectidas trivialidades e rotinas fixas.
Filosofar é decidirmo-nos a despertar em nós a origem, é reencontrarmo-nos e agir, ajudando-nos a nós próprios com todas as forças.
Na verdade a existência é o que palpavelmente está em primeiro lugar: as tarefas materiais que nos submetem às exigências do dia-a-dia. Não se satisfazer com elas, porém, e entender essa diluição nos fins como via para o auto-esquecimento, e, portanto, como negligência e culpa, eis o anelo de uma vida filosóficamente orientada. E, além disso, tomar a sério a experiência do convívio com os homens: a alegria e a ofensa, o êxito e o revés, a obscuridade e a confusão. Orientar filosoficamente a vida não é esquecer, é assimilar, não é desviar-se, é recriar intimamente, não é julgar tudo resolvido, é clarificar.
São dois os seus caminhos: a meditação solitária por todos os meios de consciencialização e a comunicação com o semelhante por todos os meios da recíproca compreensão, no convívio da acção, do colóquio ou do silêncio.
Karl Jaspers, in 'Iniciação Filosófica'

8 comentários:

Anónimo disse...

A ânsia de uma orientação filosófica nada mais é que a ânsia de preencher a solidão a que estamos trágicamente votados. Dois seres que desejam um Amor Absoluto.Uma união impossivél de se satisfazer, mas possível de ternura e cumplicidade. Um Amor consciente e que conscientemente se quer inconsciente, louco, portanto.
A Filosofia mostra-nos a nú a nossa fragilidade, a nossa insuficiência de ser e do Ser, a impossibilidade de consolo, de paz, de harmonia. Dá-nos uma lucidez, fatal, talvez....

RD disse...

Essa lucidez - fatal... em que aspecto? Até posso concordar se incidir sobre o mesmo.

Anónimo disse...

fatal

do Lat. fatale

adj. 2 gén.,
que se não pode evitar, inevitável, infalível;

prescrito, fixado pelo fado, pelo destino;

irrevogável;

que produz desgraças;

desastroso, funest

RD disse...
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RD disse...

Apaguei sem querer o meu comentário de cima :( e acho que o seu ficou a faltar qq coisa, não era tanto nesse sentido o meu pedido de explicação, mas acabei por chegar onde era preciso ;)

De qualquer forma, sim. Creio que sim, que essa lucidez seja algo que retira a névoa e à qual não mais voltamos - fatal portanto. Há um mergulho em si próprio, e pelas palavras de Jaspers, um não se perder no mundo e em hábitos.
Suponho que o mais difícil seja o trajecto até ao primeiro mergulho, porque depois de nadarmos, aquecêmo-nos.

Anónimo disse...

Você saberá da sua. Não lhe quero estragar o optimismo. Seria indelicado da minha parte.

Quando você pensa em fatal, que palavra lhe vem logo à cabeça? Não tenha medo de a dizer. É essa mesmo.

Deixe essa curiosidade niilista. :)

Anónimo disse...

Você saberá da sua. Não lhe quero estragar o optimismo. Seria indelicado da minha parte.

Quando você pensa em fatal, que palavra lhe vem logo à cabeça? Não tenha medo de a dizer. É essa mesmo.

Deixe essa curiosidade niilista. :)

RD disse...

O meu optimismo não se "estraga", não se iniba por minha causa. São realidades, e a sua é diferente apenas.
Quanto ao fatal já nos entendemos, não se trata de ter medos de dizer ou pensar, foi apenas uma questão de má interpretação inicial, da minha parte.
Agora passemos à curiosidade niilista - devo deixá-la...? Mas tenho-a? ;)