A filosofia não cultiva dogmas, como a religião; a filosofia faz o contrário: procura destruir dogmas. Os cristãos, muçulmanos e hindus, partem do princípio de que existe Deus. A filosofia pergunta: mas que razões temos para pensar que existe Deus? E, admitindo que existe um deus sumamente bom e criador, omnisciente e omnipotente, como se explica a existência do mal? A filosofia faz as perguntas difíceis que muitas pessoas gostariam de calar, e que efectivamente têm muitas vezes conseguido calar ao longo da infeliz história humana. Podemos dizer, poeticamente, que a filosofia é um grito de liberdade contra a opressão do dogma. E nisto, uma vez mais, a filosofia é semelhante à ciência. O que distingue os problemas da filosofia dos problemas da ciência é o seu carácter conceptual, a sua generalidade e a inexistência de fronteiras precisas. Os problemas da matemática são também bastante gerais e em grande medida conceptuais - mas têm fronteiras muito precisas. Não se pode determinar matematicamente se os animais têm direitos; não se pode determinar matematicamente se Deus existe - e nem sequer se pode determinar matematicamente se os números existem independentemente de nós. Qualquer problema com suficiente generalidade, de carácter conceptual e para a solução do qual não exista qualquer ciência pode ser um problema filosófico. Os problemas da matemática têm fronteiras muito claras: têm de poder ser resolvidos pelos métodos formais da matemática. Em filosofia, pelo contrário, não há métodos formais para resolver problemas.
A filosofia é uma actividade crítica, que consiste na tentativa de compreensão sistemática dos nossos conceitos mais básicos. Conceitos como os seguintes: bem, arte, justiça, beleza, verdade, validade, igualdade, identidade, liberdade, existência, etc., etc. A filosofia não é a sua história. A filosofia interpela-nos a enfrentar os mesmos problemas que os grandes filósofos do passado enfrentaram; interpela-nos a pensar pela nossa própria cabeça. Um estudante sério de filosofia aprende a pensar pela sua própria cabeça, aprende a defender as suas opiniões com argumentos sólidos - não aprende a repetir de forma palavrosa o que disse Kant ou Hegel ou Aristóteles.
A atitude que reduz a filosofia a um jogo de palavras inconsequente, obscuro, palavroso e acrítico é uma traição ao projecto original da filosofia; é má filosofia. Acho que essa traição tem todo o direito de existir; mas acho que não tem o direito de procurar calar o projecto original da filosofia. Isso seria tão absurdo como ter os maus músicos a calar, nos conservatórios, os músicos de qualidade. Devemos ser tolerantes. Mas devemos dizer - cordialmente - que a pseudofilosofia não é a única alternativa que existe. Há outras formas de fazer filosofia; formas mais criativas, mais consequentes, mais claras e, sobretudo, mais críticas e menos palavrosas. A escolha deve ser livre e deve haver igualdade de oportunidades para todos.
Desidério Murcho ---> aqui.
4 comentários:
Rosita,
Teu convite é muito honroso e prometo que me vou esforçar...por vezes é um pouco dificil definir a Psicologia Transpessoal mas está uns poucos nos limites da filosofia, espiritualidade e claro psicologia. Está provado que esses conceitos dão outro sentido às nossas vidas.
Vou tentar não demorar muito...
Eu envio no teu mail. Prometido.
Jka Gde até breve.
Tens o tempo que quiseres, sem stress.
Obrigado Pedro.
Beijinho grande.
Gostei muito do texto, pois fala da filosofia no seu todo...até da má filosofia, assunto que devia ser bem esclarecido entre os que "exercem essa profissão" de maneira que, tal como as outras profissões, tb se possa separar o trigo do joio.
Uma vez fui às finanças fazer os recibos verdes, reparei que não tinhamos "profissão", fiquei a pensar naquilo, se bem que não me preocupou muito, e perguntei a uma professora minha. Ela respondeu-me que filosofia é amor á sabedoria, e isso é um percurso pela vida toda, não se é filósofo com um curso de 4 ou 5 anos, e eu concordo com ela. Importante não é apenas a história das ideias da filosofia, essa é a má filosofia segundo Desidério Murcho e que não dá mais do que enquadramentos, a boa filosofia é aquela que ensina a pensar e a criticar, que ensina a ir ao fundo das questões e a desconstruir dogmas. Filosofia mais do que saber responder - é saber perguntar. Leiam o texto na íntegra que está bem explicadinho por este professor.
Como em todas as "profissões", há aqueles que se preocupam apenas em ganhar dinheiro verborreando. Pois seja. Mas também há quem não se preocupe com isso. Essa outra filosofia é necessária como substracto da outra, mas quem estagna, pode prejudicar alunos se for professor. Eu bem sei que chumbei com uma professora assim. Creio que se possa fazer muita coisa com a filosofia pois esta cruza-se com todas as áreas e delas saem grandes profissionais, dáva-lhe um exemplo de pessoas de outros blogs formadas em filosofia mas prefiro que descubra por si :)
Bjinhos!
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