Agostinho da Silva é dos mais paradoxais pensadores portugueses do séulo XX. O tema mais candente da sua obra foi a cultura de língua portuguesa, num fraternal abraço ao Brasil e aos países lusófonos. Todavia, a questão das filosofias nacionais não é para si decisiva, parecendo-lhe antes uma questão académica: «Não sei se há filosofias nacionais, e não sei se os filósofos, exactamente porque reflectem sobre o geral, se não internacionalizam desde logo».
O problema de que parte é a procura de uma razão de ser para Portugal: «o que eu quero é que a filosofia que haja por estes lados arranque do povo português, faça que o povo português tenha confiança em si mesmo», entendendo por «povo português» não apenas os portugueses de Portugal, mas também os do Brasil, laçados de índios e negros, os portugueses de África, tribais e pretos, como também os da Índia, de Macau e de Timor.
Embarcando num sonho universalista em que os portugueses que vivem apenas para Portugal não têm razão de ser, apresentou-se aos olhos tantas vezes desconcertados dos seus leitores como um cavaleiro do Quinto Império, um reinado do Espírito Santo, respirando um misto de franciscanismo e de joaquimismo e, em todo o caso, obra mais de cigarras que de formigas como era próprio das crianças: «Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império», o que é dizer que o primeiro passo dos impérios está sempre no espírito dos homens, aptos para servir, como os antigos templários ou os cavaleiros da Ordem de Cristo.
Partir de crenças como ponto vital e tomar como símbolo preferido que a palavra «crer» parece ter a mesma origem que a palavra «coração», fazendo depois como o Infante, abrindo-se à ciência dos seus pilotos, astrónomos e matemáticos. Tudo dito e defendido com a tranquilidade de quem sabe que até hoje ninguém desvendou os mistérios do mundo e conhece por isso os limites das soluções positivas.
Assim, seria possível valorizar aquilo que a seu ver nos distinguiria como povo e como cultura: um povo e uma cultura capazes de albergar em si «tranquilamente, variadas contradições impenetráveis, até hoje, ao racionalizar de qualquer pensamento filosófico».
Trazer por isso o mundo à Europa, como outrora levámos a Europa ao mundo, tal a missão da cultura de língua portuguesa, construindo o seu domínio com uma base espiritual e sem base em terra, porque a propriedade escraviza e só não ter nos torna livres.
O problema de que parte é a procura de uma razão de ser para Portugal: «o que eu quero é que a filosofia que haja por estes lados arranque do povo português, faça que o povo português tenha confiança em si mesmo», entendendo por «povo português» não apenas os portugueses de Portugal, mas também os do Brasil, laçados de índios e negros, os portugueses de África, tribais e pretos, como também os da Índia, de Macau e de Timor.
Embarcando num sonho universalista em que os portugueses que vivem apenas para Portugal não têm razão de ser, apresentou-se aos olhos tantas vezes desconcertados dos seus leitores como um cavaleiro do Quinto Império, um reinado do Espírito Santo, respirando um misto de franciscanismo e de joaquimismo e, em todo o caso, obra mais de cigarras que de formigas como era próprio das crianças: «Restaurar a criança em nós, e em nós a coroarmos Imperador, eis aí o primeiro passo para a formação do império», o que é dizer que o primeiro passo dos impérios está sempre no espírito dos homens, aptos para servir, como os antigos templários ou os cavaleiros da Ordem de Cristo.
Partir de crenças como ponto vital e tomar como símbolo preferido que a palavra «crer» parece ter a mesma origem que a palavra «coração», fazendo depois como o Infante, abrindo-se à ciência dos seus pilotos, astrónomos e matemáticos. Tudo dito e defendido com a tranquilidade de quem sabe que até hoje ninguém desvendou os mistérios do mundo e conhece por isso os limites das soluções positivas.
Assim, seria possível valorizar aquilo que a seu ver nos distinguiria como povo e como cultura: um povo e uma cultura capazes de albergar em si «tranquilamente, variadas contradições impenetráveis, até hoje, ao racionalizar de qualquer pensamento filosófico».
Trazer por isso o mundo à Europa, como outrora levámos a Europa ao mundo, tal a missão da cultura de língua portuguesa, construindo o seu domínio com uma base espiritual e sem base em terra, porque a propriedade escraviza e só não ter nos torna livres.
17 comentários:
bonito texto, ainda faz com que mais goste de ler esse mestre do pensamento, ...achava interessante o confronto deste "amor nacional", com o pensamento de Natália Correia, especialmente quando esta fala da localização de Portugal num contexto Ibérico....será que é um desafio aliciante para si?
Sinceramente nunca me debrucei a fundo sobre Natália Correia, o que conheço dela é basicamente poesia. Relativamente a Agostinho da Silva e à questão das filosofias nacionais, devo dizer que apesar de me cativar em alguns pontos, tais como a recuperação da pureza da criança e a própria inocência socrática do pensador, discordo quanto ao ponto da filosofia em Portugal. A meu ver ela existe e bem patente em alguns pensadores aqui já referidos. Portugal não tem uma filosofia puramente sistemática e disciplinada como os alemães nem fervorosa como os franceses ou tão pouco lógica como os ingleses. Temos um misto de todos que nos caracteriza pela abertura à poesia, pelo culto à saudade, a dualidade do bem e do mal, pelo sentido ontológico da vida e da problemática da morte.
Os portugueses tentam superar estes dualismos influenciados por outras filosofias (sem contudo deixarmos de ser criativos) e, para nos situarmos, acabamos numa idealização que jamais alcançaremos ao tentar explicar a nossa realidade. Eu diria que o nosso meio termo é quase desconhecido. Vivemos com o peso do "fado-destino" da providência divina às costas idealizando a explicação que sonhamos sem a conseguirmos alcançar. Somos uns sonhadores, uns românticos.
Agostinho dizia que o importante é sermos criativos, pensarmo-nos realmente como somos sem importarmos filosofias e que só assim, ao descobrirmo-nos, teríamos confiança em nós. Subscrevo. Não explicaremos a nossa paradoxal forma de ser como país enquanto não olharmos para dentro, para o que nos caracteriza. Não concordo que seja apenas pela língua mãe como defende Agostinho ou Pessoa, acredito ainda que haja dentro do país, uma filosofia de ilhéus como a nossa, de brumas e mar. É um assunto muito extenso, mas se o Miguel tiver mais curiosidade sobre, libertaremos tempo para ele com muito prazer.
a identidade nacional é assunto da maior importância em tempos onde se confunde o perigo da invasão espanhola no nosso comércio com a perda da identidade. Interessante essa cruz do fado, que, sem entender nada de filosofia, sinto como um "peso mórbido" do carácter portugues..."perca" o tempo que este tipo de assuntos (levantado por um ignorante curioso) a estimule.
:) Sim, é preocupante como estamos a entrar numa globalização ou mais perto ainda, numa "espanholização", sem que saibamos manter o que nos caracteriza - a nossa identidade nacional e regional. Se houvesse preocupação pela parte dos pais em passar um pouco da cultura deles aos filhos, manteríamos uma consciência social activa. O facto é que a cultura descartável em que se vive é tão efémera como assustadora. Perdeu-se com o ritmo actual muitos dos rituais que nos caracterizavam, ganhámos outros, é certo. Cá, nas ilhas, ainda se pode olhar sobre isso pelo passado recente, mas até nós já fomos apanhados pela teia.
A igreja açoriana já sofre a sua secularização - tese defendida pelo prof. e padre Octávio recentemente, que defende o encontro da mesma com o século, uma mudança que creio ainda não ter encontrado o seu substracto, e estendendo a todo o resto, mudámos todos a um ritmo desenfreado que nos está a custar uma grave crise de valores, reagimos mais do que agimos porque estamos alheados ao caminho mais correcto. Para que isto se resolva seria necessário todo um processo de auto-consciência através duma introspecção séria. Seleccionar a adesão à novidade que nos bate à porta todos os dias e adaptá-la à nossa forma de ser. A meu ver, engolimos tudo sem filtrar, tal o ritmo da informação. Os espanhóis aperceberam-se das nossas carências e da falta do nosso fio condutor e estão a aproveitá-lo e bem.
Temos um país tão rico e não o sabemos explorar, limitamo-nos a chorar o leite derramado todos os dias e a copiar as medidas de outros. Claro que elas não podem funcionar. Falta-nos o principal substracto - a educação. Se querem copiar medidas externas olhem para a Irlanda na educação em vez de se preocuparem com a tolerância da Holanda em muitas matérias que já lhes começam a sair caro.
R. Dart,
Tenho umas histórias para lhe contar sobre o Agostinho, como quem estive aqui em Ponta Delgada nos idos de 1983-84, a que talvez ache piada.
PS- ... vou passar a ser cliente do seu Marketing ;)
Até que enfim Carlos. Seja bem vindo.
Sei pouco de Agostinho mas teria todo o interesse em saber mais. Deve ser muito interessante conhecer mesmo a pessoa, não é? Esteve com ele mesmo na conversa? :)
Tive o privilégio de ser amigo do Agostinho da Silva. Durante as 2 ou 3 semanas que ele aqui esteve acompanhei-o para todo o lado. Chegou mesmo a formar-se uma efémera e heterodoxa tertúlia na Tabacaria Açoriana, que englobava também o cineasta Luis Filipe Rocha. Depois, mais tarde, visitava-o regularmente na sua casa de Lisboa e tenho comigo 2 ou 3 arquivadores de correspondência que ele tinha por hábito dirigir a um pequeno círculo de pessoas que lhe prestavam atenção.
Nunca tive tanto orgulho em fazer parte do mail list de alguém.
Sinto-lhe muito a falta e sinto que talvez tenha acabo nele uma dinastia de portugueses que se atrevia a sonhar Portugal.
Por muito estimáveis que sejam, nomes como Eduardo Lourenço e José Gil, apenas se limitam a analisar a nossa existência colectiva.
.... enfim, my Dartling Rose, o comentário já vai longo e exageradamente sério.
Boa noite e bons sonhos,portugueses, com certeza.
Goatava tanto de ver esses emails Carlos.
Ficam para um dia em que nos conheçamos e aí também me possa falar sobre Agostinho.
Já tentei fazer tertúlias cá com professores que são meus amigos, e conseguimos umas 3 ou 4 vezes, mas descamba logo, faltas de tempo, etc. Nunca há tempo para o conhecimento. :(
Eu gosto de Eduardo Lourenço, poucos gostam, pelo menos quem conheço. Gosto da tareia toda que nos dá para arrebitarmos.
Enfim. Já tou tb a falar aos bocados e sem raciocínio. Até outra x e boa noite para si também.
Quando lhe apetecer outro comentário longo e sério apareça que eu gosto :)
...ouça, não me interprete mal. Eu gosto muito de Eduardo Lourenço, procuro sempre que os alunos de Contemporânea de Portugal compreendam o nosso devir colectivo a partir das suas expressões e conceitos luminosos.
...mas ele situa-se "fora" da Filosofia, embora dela se reclame. Agostinho da Silva era feito de uma massa diferente, acreditava e vivia as suas próprias utopias. Se algum dia a Lusofonia se tornar um desígnio nacional tão importante como hoje é a Europa, espero bem que algum chefe de estado se lembre de erguer uma estátua ao Prof. Agostinho.
Quanto às cartas, Rosa, são na sua maior parte dactilografadas e algumas manuscritas. Tenho muito prazer que as leia ... mas já não me parece que seja coisa para deixar na Leonor.
Bem, entendo o que quer dizer.
No Faial houve uns encontros filosóficos sobre Agostinho, há 2 anos ou 3, salvo erro. Na altura arranjei a documentação toda sobre isso, só já não sei onde anda :) Talvez lá em casa.
Quanto às cartas, que eu ingenuamente pensei serem emails (não estou a ver Agostinho ao computador), claro que não devem ir para as meninas do departamento. Aliás, essa informação que possui era boa para uma publicação/estudo do autor. Se ainda não o fez, deveria pensar nisso.
Um dia destes combinamos. :)
...ouvi falar desses encontros filosóficos na Horta e sempre me intrigou a "afición" que aí existia pelo Prof. Agostinho.
Talvez a Rosa me possa esclarecer alguma coisa sobre isso e, assim, já temos alguns cromos para trocar.
...estou a ver que um dia destes temos mesmo de nos encontrar ;)
Pelo que me disseram, ele andou por lá, pelo Faial a ensinar. Já mandei um email ao Sr. Mário Fraião, do Tribuna das Ilhas, que é a pessoa certa para me responder ao assunto. O homem é um poço de historietas. Além do mais voltei a pedir-lhe o jornal que na altura falava disso. A ver vamos. Não quero é estar sem cromos para trocar consigo ;)
Carlos, o Agostinho da Silva afinal nunca esteve no Faial a ensinar, houve sim um Agostinho da Silva, professor de História a leccionar na minha terra, mas não era o mesmo, chegou mesmo, pela coincidência, a ser incomodado pela PIDE.
A Faialentejo tem publicados dois volumes com as actas dos Ciclos Agostinianos realizados nos Açores (Faial), que podem ser adquiridas ao preço de 7,5 € cada, bem
como os 12 volumes com a sua obra, editados pela Âncora Editora.
É apenas o que consegui saber pela minha fonte, o Sr. Mário Fraião do Tribuna.
Jinhos*
Que grande senhor era o saudoso Prof. Agostinho da Silva. Um verdadeiro parturiente do sentir e pensar português. A simplicidade deste homem era simplesmente desarmante. Alguém se lembra de lhe ver qualquer contradição entre o ser, dizer e fazer? Depois veio-nos relembrar o Império do Espírito Santo, cujo real significado continua a constituir um autêntico mistério para grande parte de nós. A Pistis Sophia no dizer de outros pensadores ou Kundalini (fogo sagrado). Para a Igreja um mero dogma que se explica a ele mesmo, infelizmente. De facto, nunca seremos verdadeiramente livres sem antes nos guindarmos acima dos fenómenos e contingências da matéria, sem extirparmos do nosso âmago todos os esteriótipos e convenções. No fundo, a máscara perfeita é a do Eu Superior, a do Homem transmudado em criança filosófica e selvagem, àvida de criação...
É aqui onde creio que nasça o autêntico exílio, Vasco. Na não contradição entre o Ser, dizer e fazer. Poucos o aceitam, muitos a recusam, a maior parte não a conhece. É uma estrada muito solitária e que Agostinho percorreu orgulhosamente. Era ele a criança que nunca soçobrou.
Vasco, nunca ouvi falar no Kundalini. O que é este fogo sagrado?
É natural que não tenhas ouvido falar. É um conceito esotérico e alquímico. É o fogo da criação que nos percorre a espinha dorsal. O caduceu foi inspirado nessa simbologia. É verdadeira energia que nos inspira. É como se fosse um fogo serpentino... Podes estudar isso em Oswald Wirth (um grande iniciado). Beijinhos.
P.S.: aí pelos Açores ainda se fala muito em Antero de Quental?
Ainda se fala muito em Antero Quental sim. :)
Vou ver se encontro o Oswald :)
Até já.
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